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   Escravos Cibernéticos

Sinto falta de minha amiga Márcia e resolvo telefonar-lhe para ter notícias.

Gentil como sempre, ela me atende de imediato, contando-me que perdeu o número de meu celular porque a empresa substituiu seu aparelho e não transferiu, conforme fora prometido, a agenda de telefones.

Então passa a falar sobre seu novo “brinquedinho”, um smartphone, prêmio corporativo vinculado à sua merecida promoção. Márcia agora tem ainda mais atribuições e responsabilidades. Por isso, a companhia decidiu ser importante conferir-lhe “conectividade plena”.

Ela agora pode ser encontrada a qualquer hora, em qualquer lugar. Pode gerenciar ações e pessoas de maneira ininterrupta, seja durante o horário chamado “comercial”, seja à noite após sair de uma sessão de cinema, seja num domingo, em meio ao almoço familiar.

Há quase um ano eu não conversava com Márcia. E o que me causou certa apreensão foi saber que neste meio-tempo, na proporção em que subia no organograma, ela descia na escala de sua qualidade de vida.

Interrompeu a prática esportiva que realizava com regularidade e exatamente no momento daquele meu telefonema estava a caminho do ambulatório para checar certa indisposição acompanhada por alteração na pressão arterial. Detalhe: Márcia trabalha com gestão de pessoas, tem os olhos e a mente voltados à qualidade de vida.

Nada tenho contra a tecnologia. Ao contrário, sou apaixonado por ela. Costumo adquirir todo tipo de “gadget”, nome dado às quinquilharias eletrônicas produzidas diuturnamente pela indústria. Mas vejo com preocupação o avanço das máquinas sobre nossas vidas.

A tecnologia deve estar a nosso serviço para facilitar a comunicação e dar agilidade à tomada de decisões. Mas isso não significa assentir a escravização eletrônica. Nos escritórios, o e-mail, a intranet e os mensageiros instantâneos enraizaram-nos nas cadeiras. Evitamos nos levantar para falar com um colega na sala ao lado, ou mesmo para espairecer por cinco minutos enquanto bebemos uma água ou um café. Além de reduzir a sociabilidade, esta rotina perigosa é a mãe dos DORT – Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, com destaque para as lesões por esforço repetitivo (LER) e a fadiga visual.

Nas residências, o computador está substituindo a televisão como instrumento de desagregação familiar. Adeus ao diálogo! Não há mais refeições coletivas, quando se poderia conversar, compartilhar, orientar, aprender e ensinar. Até mesmo o lazer e o desenvolvimento cultural estão sendo substituídos pelo Orkut, My Space e as salas de bate-papo.

Guardadas as devidas proporções, vivemos anos sem tudo isso e não precisamos nos render a todas as novidades que vicejam. Considero o celular um instrumento fantástico para ficar desligado. Quando necessito falar com alguém, ligo o aparelho e contato a pessoa.

Não sou um médico obstetra ou cardiologista que precisa ser encontrado na calada da noite para um parto ou atendimento emergencial. Por isso, não quero um smartphone nem de graça!

* Tom Coelho, com formação em Publicidade pela ESPM, Economia pela USP, especialização em Marketing pela Madia Marketing School e Qualidade de Vida no Trabalho pela USP, e mestrando em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente pelo Senac, é consultor, professor universitário, escritor e palestrante. Diretor da Infinity Consulting, Diretor Estadual do NJE/Ciesp e VP de Negócios da AAPSA. Contatos pelo e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite: www.tomcoelho.com.br.






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