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   Padronização X Personalização da Morte: Algumas Implicações para o Processo de Luto

De quantas festas de casamento você, leitor, já participou? E de aniversário?

Provavelmente você já deve ter participado de inúmeras cerimônias coletivas e cada uma delas, com certeza, foi realizada de um jeito diferente. Guardando os ritos básicos como troca de alianças, juramento, cumprimento de padrinhos, dentre outros, as cerimônias, em geral têm algo de pessoal que as difere de uma para outra. Este algo especial é fruto de uma escolha de quem realiza a cerimônia para que esta tenha uma marca pessoal.

Mesmo que façamos uma festa no mesmo buffet, teremos a possibilidade de realizar festas diversas conforme nosso gosto, nossos convidados, nossos desejos, isso porque os serviços de buffet costumam flexibilizar e disponibilizar opções variadas para que o evento aconteça como imaginamos.

Se o ser humano tem esse movimento de dar um toque especial à seus eventos, porque uma cerimônia de despedida costuma ser tratada de forma tão uniforme e homogênia pelos cemitérios, funerárias e mesmo pelas famílias?

Acreditamos que a resposta à esta pergunta não é tão simples e, por certo, está ligada à vários fatores.

Gostaríamos de considerar aqui alguns fatores que homogeneízam a morte:

Os Cemitérios Parques Foram se Distanciando da Cidade e Ficando cada Vez mais Assépticos às Homenagens Particulares de Cada Família

Em uma rápida incursão na história vimos que os cemitérios no passado permitiam mais condições de ostentação e de individualização na manifestação de seus desejos, na medida em que tínhamos os grandes mausoléus e túmulos feitos, muitas vezes, por artistas famosos, bem como sepultamentos em quintais e igrejas.

No século XX, surgem os cemitérios estilo "parque" e, a partir de então, quase tudo é padronizado em nome de uma idéia de homogeneização e estética.

Se olharmos sob o ponto de vista econômico temos que a prática de diversificar jazigos estava à serviço da diferenciação de classe sócio- econômica, escancarando o poderio econômico de algumas famílias e a pouca renda de outras. Contudo, se olharmos sob o ponto de vista do processo de luto nosso raciocínio muda radicalmente, pois sabemos da importância psicológica da participação da família nos rituais e na definição dos detalhes de ornamentação e manutenção dos jazigos.

Além desse fator outro é destacado: nossa cultura não valoriza as despedidas.

Nossa Cultura Não Valoriza as Despedidas

Vivemos numa época em que a tristeza e a dor saíram de moda e foram banidas do nosso cotidiano. A medicina e a tecnologia resolvem tantas coisas que quase acreditamos que há remédio para tudo nesta vida.

Sabemos que os avanços tecnológicos podem adiar a morte, mas não podem vencê-la.

Nossa cultura valoriza em demasia o prazer, coibindo atitudes que reflitam o contrário. As famílias em luto que atendemos, comumente afirmam o quanto é difícil chorar e demonstrar tristeza para as pessoas, pois alguém sempre acaba mudando de assunto, dizendo que chorar não faz bem, que é preciso superar esse sentimento de dor. Esta atitude nos conduz muito mais no sentido de aplacar a angústia de quem ouve o choro, do que de quem chora.

Desta forma tem sido comum também que os velórios sejam mais rápidos, tão rápidos que por vezes não há tempo suficiente para avisar todas as pessoas e realmente realizar uma cerimônia de despedida.

Os Segmentos Cemiterial E Funerário Estão Engessados

Se você é do segmento, deve estar furioso com esta afirmação, mas observe atentamente nosso ponto de vista antes de discordar. Por conta de todos esses fatores, observamos no trabalho do dia-a-dia em cemitérios e funerárias, famílias fazendo pedidos singulares como pintar o caixão, adiar um sepultamento, ficar sozinho com o falecido, colocar sapatos, óculos, colocar fotos no jazigo, enfeitar com borboletas de pano, dentre outras coisas. Nestes casos, o que estas famílias costumam receber como resposta é quase sempre um sonoro "NÃO". As justificativas são diversas: " são normas do estabelecimento"; "se eu deixar, todos vão querer"; " vai alterar nossa rotina"; "temos um padrão estabelecido" e muitas outras justificativas.

Esta conduta de sempre manter o padrão prescrito é o que chamamos de engessamento do segmento funerário e cemiterial .

Se a cerimônia é da família porque ela não pode fazer escolhas?
Claro que temos que respeitar algumas regras de funcionamento da instituição, mas temos certeza de que muitas vezes a negativa para a família está muito mais à serviço do mero cumprimento de normas ou mesmo da praticidade do trabalho, do que da preservação de regras importantes para o funcionamento da instituição.

Falta Uma Boa Escuta Do Cliente

Trabalhamos intimamente com seu cliente e sabemos das necessidades psicológicas dele, mesmo que compreendendo pouco do funcional e financeiro.

Acostumados ao ritual funerário, acabamos por repeti-lo indiscriminadamente. Você já pensou que ao invés de coroas de flores, a família gostaria de outra ornamentação, como cachos de flores, por exemplo? Ao invés de véu de tule a família preferiria ter uma renda ou um bordado, um cetim? Que gostariam de por um lápide de granito ao invés de mármore? Que gostariam de pôr orquídeas no jazigo, ao invés de crisântemos. Atendi uma mãe que pediu para o cemitério deixá-la grafitar a lápide da filha com desenhos infantis porque considerava o ambiente do cemitério muito "cinza" para uma menina de apenas 5 anos. Neste caso, foi autorizada e, apesar da dor do luto, ver a lápide colorida confortava seu coração de mãe, impossibilitada de estar com a filha, de niná-la, de protegê-la.

A criatividade consiste em romper com o usual e propor novas soluções, novos desenhos para uma mesma situação. A psicologia costuma associar a criatividade à uma boa dose de auto-estima, já que para ser diferente do convencional temos que ter um mínimo de segurança e confiança no que estamos propondo.

A criatividade no segmento funerário, no entanto, não deve vir somente do rompimento com o habitual, mas deve derivar principalmente da escuta atenta às necessidades e desejos dos clientes. Se o segmento ouvisse mais atentamente aos pedidos, poderia perceber as necessidades mais comuns e criar soluções inovadoras para isso. De nada adianta inventar algo que venha ao encontro somente dos desejos pessoais da instituição. Há cemitérios com certas inovações, mas que praticamente "obrigam" o cliente a utilizá-las.

Portanto, lembrem-se sempre que a experiência do luto é singular

A Experiência Do Luto É Singular

Uma das coisas mais importantes que aprendemos em nossos estudos sobre o luto e no trabalho com pessoas que perderam alguém, é que o processo de luto é singular. Cada pessoa tem seu jeito de viver a experiência de perda. Existe uma frase que diz " cada um entra na morte como melhor lhe parece". Uma mesma perda ocasiona diferentes processos de luto. A normatização do processo de luto só faz as pessoas sofrerem cada vez mais. Dia desses uma pessoa que assistiu à uma cremação, mostrou-se indignada com a cerimônia porque tinha "músicas muito tristes" e afirmou que gostaria que tocassem "um bom pagode" em sua cremação. Provavelmente uma pessoa que assista à uma cremação com pagode, vai ficar indignada também. Por quê? Porque a vivencia da morte é singular, cada um quer uma cerimônia que tenha relação com seu estilo. Os serviços funerários e os cemitérios vêm avançando devagar na diversificação de serviços, mas ainda caminha a passos lentos.

Ouvir a família enlutada e criar a cerimônia com ela, como também perceber se a família é pouco ritualizada e deseja algo rápido e prático, é uma forma de personalizar o processo de luto e faz muito bem aos envolvidos.

A psicologia do luto dá muita importância à realização dos rituais porque entende que estes contribuem para a efetivação da despedida, mas estes devem ser significativos para a família, não modelos importados de outras culturas, de outras pessoas ou do próprio cemitério.

Por falar em inovar, vamos começar esta prática aqui mesmo nesta sessão. Comente este texto, conte algo diferente que criou para atender às famílias enlutadas.

Outros pontos de vista serão muito bem vindos, escreva-nos.

Ana Lúcia Naletto e Lélia de Cássia Faleiros são psicólogas do Centro Maiêutica e desenvolvem trabalhos na área de apoio ao luto em cemitérios, crematórios e funerárias - www.centromaieutica.com.br


Fonte: Maiêutica


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