Diante das preocupações que um novo tipo do vírus desperta, SAÚDE! revela o que os cientistas têm feito para nos proteger dessa recorrente ameaça
por Diogo Sponchiato, Lúcia Helena de Oliveira e Paula Desgualdo
design e infográficos Glenda Capdeville, Letícia Raposo, Erika Onodera e Robson Quinafélix
Ele habitava a face da Terra muito antes dos primeiros hominídeos. Como um Davi às avessas, pode ter contribuído para dizimar os dinossauros. E, de tempos em tempos, logo após uma transformação ou outra, assusta e gripa uma boa parcela da população. A versão da vez atende pelo nome de vírus A (H1N1), já infectou milhares no planeta e semeou o temor de uma pandemia.
Enquanto as autoridades e os médicos tomam providências para conter o avanço da doença apelidada de gripe suína, os cientistas não medem esforços para descobrir meios de derrotar todas as facetas do influenza, o micro-organismo camaleônico que causa febre e até mortes. Mas a pergunta que não quer calar é: vamos um dia ficar livres para sempre do intruso?
“Esse vírus é muito instável e trafega entre diversas espécies animais. Por isso, sempre está sujeito a mutações que o tornam irreconhecível ao corpo humano”, explica o virologista Edison Durigon, da Universidade de São Paulo. O desafio é encontrar um jeito de construir uma muralha dentro do organismo. Nessa busca, pesquisadores americanos, por exemplo, quebram a cabeça para viabilizar uma vacina universal, capaz de barrar o mutante a despeito dos seus disfarces.
Mas a principal estratégia, defendem os especialistas, é jamais tirar os olhos do baderneiro microscópico. Em outras palavras, sustentar uma rede de vigilância planetária que não cochila. “Não adianta ter os laboratórios mais capacitados do mundo se esse controle é inadequado”, diz a virologista Terezinha Maria de Paiva, do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo. Em entrevista exclusiva, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, concorda e acrescenta: “Quando surge um vírus novo, nenhum epidemiologista pode dar chute”, opina. “Ouvi gente dizendo que a infecção pelo A (H1N1) seria igual à de 1918, que começou devagar e, depois, matou milhões. Outros apostaram em voz alta que essa gripe iria desaparecer. Puro chute. Quem acertou? Ora, cientistas sabem muito bem que só depois de seis a oito meses é que alguém terá bases mínimas para responder a essa e a outras perguntas, como: será que o vírus mudará e que todos os esforços para uma vacina foram em vão? Será que ficará mais forte? Será que ficará mais fraco?”, diz.
O influenza é uma velha ameaça à humanidade. E não estamos falando somente dos grandes surtos capazes de matar milhões de pessoas, como na gripe espanhola do início do século 20. O próprio vírus da gripe comum — ou sazonal, como preferem os médicos — também troca de roupa frequentemente para se esquivar do nosso sistema imune. Daí por que a vacina é renovada anualmente. Por mais que o microorganismo ainda consiga encontrar brechas para atacar, o imunizante é o jeito mais seguro de prevenir estragos — sobretudo aos organismos mais frágeis. Por isso, é recomendado a crianças, idosos e indivíduos de risco, como portadores de câncer ou HIV.
“A gripe comum, em si, possui uma baixa letalidade, cerca de 0,5%”, calcula o infectologista Stefan Ujuari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Ainda assim, estima-se que esteja por trás de 500 mil mortes ao ano em todo o mundo. O perigo, porém, dobra de tamanho quando um influenza que antes só vivia em outras espécies, como aves e porcos, consegue se recombinar e migrar para o corpo humano. Nesse caso, o organismo pena para se defender e a repercussão da invasão é bem mais intensa.
A solução perfeita para coibir esse bando de micro-organismos seria encontrar dentro do seu material genético algo que nunca ou pouco se altera, como uma proteína. A estratégia, então, seria se valer desse achado para formular uma vacina universal, válida para todo o planeta. Essa é uma ideia fixa para cientistas da Universidade Saint Louis, nos Estados Unidos, cuja pesquisa atrai investimentos de diversos laboratórios. “Mas o trabalho deles ainda é algo para o futuro”, pondera o geriatra João Toniolo Neto, da Universidade Federal de São Paulo. Por ora, não se sabe se ela daria cabo de toda sorte de influenza, principalmente os que estão por vir.
Para aprimorar a frente de batalha, pesquisadores não perdem tempo em aperfeiçoar a versão de vacina disponível para o influenza sazonal, aquele típico das estações mais frias. “A meta é enriquecê-la com substâncias capazes de potencializar sua ação”, esclarece Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações. No entanto, quando há um novo vírus no ar, a tática para inibir uma possível pandemia seria elaborar vacinas específicas. O Instituto Butantan, em São Paulo, pretende fabricar um imunizante contra a gripe suína, por exemplo. “Aguardamos amostras do vírus da OMS para dar início à produção”, conta a pesquisadora Cosue Miyaki. O fato é que novas vacinas só obtêm êxito se os serviços de vigilância epidemiológica ao redor do mundo não dormem no ponto. “É um trabalho silencioso ao longo do ano inteiro”, diz Terezinha de Paiva.
“Será muito difícil erradicar o influenza”, afirma a infectologista Nancy Bellei, da Universidade Federal de São Paulo. Por isso, não dá para baixar a guarda — tanto a curto como a longo prazo. “Uma grande mutação pode levar anos para acontecer”, esclarece a infectologista Tânia Chaves, do Hospital das Clínicas de São Paulo. O malfeitor é bem-sucedido na medida em que usa células de diversos hospedeiros para se multiplicar e se rearranjar com seus familiares, dando origem a estirpes mais terríveis. “O medo é uma recombinação entre o A (H1N1) da gripe suína com o agente por trás da aviária, o A (H5N1), que é mais letal”, diz o professor Durigon.
Com os avanços da medicina, porém, é improvável que enfrentemos um dia uma catástrofe como a gripe espanhola. A vigilância e as novas vacinas afastam esse risco. E até nós mesmos podemos prestar uma pequena contribuição, ao evitar tomar remédios para a doença sem orientação de um médico. “A automedicação só pode tornar os vírus mais resistentes”, alerta Isaías Raw, diretor- presidente do Instituto Butantan. Ninguém quer dar um empurrãozinho a um inimigo que já causa tanta dor de cabeça — e no corpo inteiro.