“E o que dizeis sobre a morte?
Se não sabeis o que é a vida,
como haveis de saber o que é a morte?
ConfúcioNão fomos educados para conviver com a morte e, mesmo tendo consciência de que ela faz parte do chamado ciclo da vida, tentamos ignorá-la ou, até mesmo, fugir de tudo que possa lembrá-la.
Sabemos por meio de estudos e pesquisas1, que no passado a morte era vista de uma forma mais natural e familiar. O corpo ficava sob os cuidados da própria família, assim como os rituais de sepultamento. Aos poucos algumas modificações começaram a aparecer e alterar toda a atitude do homem diante da morte, passando a colocá-la como uma afronta, algo que é sujo e vergonhoso e que tem que ser escondida a todo custo.
As cerimônias foram ficando cada vez mais discretas, os corpos passaram a ser arrumados nas funerárias e o ritual do velório, que acontecia nas casas foi levado para os cemitérios. Assim, a morte e o morrer foram sendo terceirizados pelos serviços dos cemitérios e de funerárias, que ganharam cada vez mais espaço na condução dos processos pós-morte.
O processo de luto continuou acontecendo dentro das pessoas, mas as expressões e manifestações deste luto foram desaparecendo. Numa leitura superficial e equivocada, poderíamos pensar que as famílias não querem mais cuidar de seus mortos e não sentem mais apreço por eles. Contudo, nós que acompanhamos as famílias no pós-morte, estamos convencidas de que mesmo com todo essas transformações na forma de lidar com o morrer, os familiares se enlutam e estabelecem uma forte relação, ora de afastamento, ora de aproximação com o corpo morto.
A entrada das agências funerárias, responsáveis pelo resgate, cuidado e preparação do corpo morto para o velório e sepultamento é muito bem vinda nesta nossa era e é preciso que estas instituições compreendam que além do todo o serviço prestado, elas estão na mediação de uma difícil e dolorosa despedida.
Após a notícia da morte, a família encontra-se frágil e vulnerável frente às solicitações externas de organizar o funeral. Neste sentido o apoio dos agentes funerários torna-se um organizador psicológico muito importante para as famílias que, em geral nutrem sentimentos ambivalentes com o agente, ora confiando e contando com eles para todas as orientações, ora desconfiados e arredios. Desta forma, compreendemos que o bom atendimento dos agentes funerários pode fazer muito pelo processo de luto de uma família, assim como um atendimento ruim, pouco ético e exploratório pode complicar este processo.
Se o serviço funerário foi criado pensando em servir como um apoio importante na ocasião da morte de alguém, o agente funerário tem um papel fundamental na condução ética e humana dessa cerimônia para que os familiares possam viver a dor da perda, sem agregar à ela mais sofrimento.
O agente funerário deve ser um profissional extremamente ético e muito bem treinado para um atendimento sempre personalizado, deve funcionar como um organizador das situações mais difíceis, sendo reconhecido muitas vezes como um conselheiro e uma figura de muita importância para a família. Prestar assistência à família em assuntos referentes ao velório e ao sepultamento é, portanto uma tarefa indispensável do agente, que deve zelar por uma conduta empática e segura junto aos familiares. Esta postura pode colaborar para uma boa condição de luto da família, na medida em que presta um serviço importante e de qualidade.
Consideramos que os serviços funerários deveriam investir mais em seu capital humano, porque lidar com famílias enlutadas requer preparação e um olhar amplo sobre a morte, o morrer e o processo de enlutar-se.
Infelizmente trabalhar com a morte não dá status e nem reconhecimento social, vimos no histórico, traçado no inicio deste texto, que tudo que diz respeito a esse tema tem sido renegado. Precisamos dizer entretanto, que embora não sejamos reconhecidos como deveria, devemos nos sentir privilegiados pelo trabalho que realizamos, pois só quem trabalha do lado da morte é que pode re-significar e compreender a sua própria vida. Confúcio já nos advertia sobre a possibilidade de compreender a vida pelo viés da morte.....
Fonte: Ana Lúcia Naletto e Lélia Faleiros Oliveira são psicólogas do Centro Maiêutica e desenvolvem trabalhos na área de luto em cemitérios, crematórios e funerárias.
www.centromaieutica.com.br