A forma para constituir uma sociedade entre herdeiros é tão importante quanto o seu conteúdo. Tomando-se em conta que todo herdeiro não escolheu o negócio que vai herdar, e muito menos o sócio que vai ter, torna-se da maior importância trabalhar a construção dessa sociedade de maneira participativa para obter compromissos éticos e morais. E isto é mais importante ainda quando sabemos que os documentos legais, testamentos ou similares não asseguram nada disto. Especialmente quando feitos unilateralmente pelo fundador ou mesmo por brilhantes advogados e tributaristas.
Recomenda-se que este assunto seja tratado, de preferência, com o fundador ainda em vida. E, em segundo lugar, que seja permitida aos herdeiros, no mínimo, a possibilidade de discutirem o sincero desejo ou possibilidade de se tornarem sócios. E poderem seguir essa opção com a clareza expressa de que uma sociedade não oferece apenas direitos. Ela possui obrigações também, e muitas. Ao mesmo tempo, exige o compartilhamento de uma identidade de valores e princípios sem os quais poderão perder tudo. E o "tudo" pode representar família, empresa e patrimônio.
Ser sócio
A maioria dos herdeiros tem uma preocupação evidente: estar preparado profissionalmente para gerenciar os negócios que vai herdar.
Poucos compreendem a importância de preparar-se para ser sócio ou acionista. Esquecem que o que vão herdar efetivamente é um pedaço de uma sociedade com sócios que não tiveram a liberdade de escolha.
Muitos, ainda, embora bastante preparados para o exercício da gestão, tornam-se arrogantes e querem adotar posturas de "dono". Não compreendem que "dono" foi apenas o fundador, e, mesmo assim, se ele estava sozinho.
O modelo de sociedade da primeira geração, em que o trabalho subordinou e gerou o capital, vai inverter-se na segunda, quando o capital, pulverizado, deverá merecer uma atenção maior ou equivalente ao trabalho.
É necessário que os fundadores e herdeiros compreendam que não existe um modelo de gestão, por mais moderno ou sofisticado que seja, que resista à falta de um modelo societário.
Portanto, o herdeiro deve compreender que antes mesmo de pensar no que irá fazer dentro das empresas que seu pai fundou, deve preparar-se para ser sócio.
E este preparo exige tempo, dedicação, paciência, compromisso, concessão mútua, humildade e capacidade de compor-se com outros, que terão os mesmos direitos e obrigações.
Existem dezenas de cursos para a formação de executivos de sucesso. Infelizmente, somente agora iniciamos algumas experiências para educar sócios para o seu papel numa perspectiva profissional.
Por isso é importante compreender e desenvolver cada vez mais este tema. Mas quero lembrar novamente que essa não é apenas uma questão de conteúdo ou conhecimento. A forma como esse processo se desenvolve também é de grande importância. Refiro-me à necessidade de ser participativo, gerar compromissos e considerar sempre a possibilidade de que talvez não seja possível a concretização da sociedade. Eis um roteiro que tenho desenvolvido, ao longo dos últimos vinte anos, com empresas familiares no Brasil e fora dele.
a) A primeira pergunta que deve ser, íntima e publicamente, respondida por todos os herdeiros é "se eu quero, desejo e consigo ser sócio daqueles que serão, comigo, os demais herdeiros de um patrimônio ou empresa";
b) Recomendo desenvolver também uma fase em que possam ser compartilhados projetos pessoais e profissionais de vida, para melhor conhecimento mútuo. Principalmente naquilo que pode ter implicações sobre a relação societária;
c) Uma terceira etapa envolve buscar informações e ouvir especialistas sobre direitos e obrigações de uma sociedade. E não apenas sob o ponto de vista da lei, mas também sob o aspecto moral, ético e de conduta pessoal.
d) Com base nessas informações, já é possível cada um realizar suas escolhas. Onde pode contribuir de maneira mais eficaz para o conjunto. E ao mesmo tempo realizar-se, individualmente, nas perspectivas pessoal e profissional. Você será mais útil como acionista? Como conselheiro fora da gestão? Ou como gestor do grupo e dos negócios? É natural que cada atividade dessas envolva responsabilidades, habilidades e conhecimentos diferentes. E também riscos diferentes. E todas exigem formação profissional.
e) Agora tem início o programa de formação de sócios-acionistas. Alguns temas mais comuns e necessários podem ser: aspectos jurídicos e tributários de uma sociedade; direitos de família e suas implicações sobre a sociedade; leitura e interpretação de informações gerenciais; leitura e interpretação de balanços; constituição e atribuições de um conselho de administração; direitos e obrigações individuais versus direito coletivo; etc. Esta lista não esgota o tema, apenas serve para início do assunto.
f) Segue-se uma etapa de conhecimentos de questões da própria empresa. Itens como patrimônio, funcionamento, perspectivas do negócio, exposição dos executivos e outros podem ser considerados.
g) Finalmente, torna-se necessário debater e fixar um modelo societário. Implica desenvolver uma estrutura que separe as atribuições daqueles que vão cuidar da sociedade (propriedade) e da gestão (empresa). Aqui podem ser criados mecanismos como Conselho de Herdeiros, Conselho de Sócios etc.
h) O último passo é o Acordo Societário. Peça fundamental na manutenção da sociedade, deve considerar todos os pontos que visam permitir a administração dos conflitos de interesse, mecanismos de saída da própria sociedade e a relação entre os sócios, e destes com a gestão.
É evidente, como podemos observar em todo o processo, que não estamos apenas buscando uma formalização de procedimentos. A maneira como o grupo constrói e participa de todo este processo já é, na realidade, um exercício societário. Nossa experiência mostra que, enquanto discute todos os temas e consulta as famílias, o próprio grupo vai amadurecendo sua relação. E pode continuar desenvolvendo formas de conhecer e administrar suas diferenças e conflitos. A pior ilusão é a de que não haverá conflitos. É pura ilusão.
Um grupo, e principalmente uma sociedade, se fortalece à medida que desenvolve formas, mecanismos e posturas para administrar seus conflitos. E numa sociedade familiar eles podem nascer na família, na própria relação pessoal e nas eventuais divergências ou lutas pelo poder dentro da empresa. Todo cuidado é pouco. Mais uma série de razões para antecipar esta negociação antes do velório do fundador. Após este evento será muito mais difícil encontrar soluções, devido o forte envolvimento emocional das pessoas.
Renato Bernhoeft, consultor de empresas, é presidente das Organizações Bernhoeft e membro do FBN - Family Business Network.