Bom, para que vocês entendam a minha "descoberta" vamos lembrar a definição de "utopia". Tudo começou quando o filósofo inglês Thomas Morus resolveu, em 1516, descrever um Estado ideal, um "país ideal em que tudo estaria organizado da melhor forma para a felicidade completa da população". Em palavras mais simples: uma quimera, uma fantasia, uma concepção irrealizável...Estava criada a Utopia, a Terra do Nunca, o país ou empresa-impossível.
Deixem-me explicar porque descobri que sou "utópico".
Sempre que um artigo meu é publicado, recebo dezenas de e-mails com manifestações elogiosas e gratificantes a respeito. Isso é muito bom, mas considero particularmente interessante quando esses e-mails relatam vivências dos remetentes que, de alguma forma, retratam situações abordadas pelos artigos descrevem repercussões e reações geradas por eles.
Fico muito feliz cada vez que recebo essas narrativas porque elas demonstram que, de alguma maneira, meus artigos estão levando muitos profissionais (e não só aqueles da área de recursos humanos) a refletir ou até a se posicionar — ainda que contra — a respeito dos conceitos e idéias que emito, que, para alguns, não passam de utopias.
Peço licença ao leitor para relembrar algumas dessas "utopias".
"Meireles: 70 anos, nosso mais novo funcionário" e "Com que idade você está velho para o mercado?" — Através desses e-mails, fiquei sabendo que muitos profissionais temporariamente desempregados, e com mais de 40 anos de idade, estão indo participar de processos seletivos levando no bolso (ou na bolsa) cópia daqueles artigos. Alguns cometem a extrema ousadia de, quando "reprovados", por causa da idade, exibir a página como uma forma de protesto mudo contra essa vergonhosa discriminação do mercado de trabalho. Perceberam? Para alguns profissionais que detêm o também temporário poder de escolher futuros colegas de trabalho, é utopia imaginar que um profissional com mais de 40 anos (!), ainda possa ser útil...
Outro caso: "A Integração gerencial e a paz corporativa".– "Hein? Diretores e gerentes colaborando entre si, com amizade e respeito – sem jogos de poder e puxadas de tapete? Utopia!!!!" Fazer o quê?
Mais um: "A empresa-sorriso", descrevendo organizações (uma, em particular) como "um lugar onde se trabalha feliz", um lugar onde há uma preocupação permanente com qualidade de vida, ética e felicidade? – "Ora, utopia"!
Também "O Fazedor de Sonhos" andou causando furor em algumas pessoas: "O que é isso, gente: um empresário que se empenha em transformar em realidade os sonhos dos colaboradores? Isso não existe! Não passa de uma baita utopia!".
E que história é essa de "O Discreto Charme da Simplicidade"? Como é que eu vou aparecer? Como é que meu ego vai se satisfazer? Como é que o meu poder vai ser notado e temido?– perguntaram certos gestores diante do artigo. Lóóóógo... é utopia essa história de simplicidade da liderança. Viva o salto alto e o autoritarismo!
Fiquei sabendo de outras reações, no mínimo curiosas. "Como assim? O ano em que o RH fez um Natal diferente"? Não dá pra ser diferente! O negócio é distribuir a Cesta de Natal, uns brinquedinhos para os filhos do pessoal e fazer um discurso dizendo que as pessoas são o nosso maior patrimônio e...chega! Mais do que isso é utopia!
"O poder e a gaveta do caixão"... —Aaaaah, essa não! Falar de igualdade numa empresa é utopia! Manda quem pode, obedece quem tem juízo! A propósito, você sabe com quem está falando?
Acreditem, ainda existem profissionais que pronunciam essa barbaridade. Ou agem como tal.
Qualidade de vida é frescura?
Sabe o que andaram dizendo do "Qualidade de vida, gurus, caracóis e D.Judith" e do "O Stress é essencial para quem? Uma deslavada utopia!! Essa história de Qualidade de Vida é frescura! Pago bem, pago o dobro do mercado, mas com uma condição: sua família, a partir de hoje, tem o nome desta empresa. Sem essa de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ok? É pegar ou largar!. – Detalhe: tem gente que pega!...
Enfim, alguns profissionais acham que expressões como alegria, felicidade, bom humor, afetividade no trabalho, espiritualidade nas empresas — não passam de utopia!. Vou ficar por aqui antes que me acusem de estar fazendo propaganda dos meus artigos. Até porque não daria para comentar cada um dos meus mais de 50 textos "utópicos".
Eu só quero dizer uma coisa: triste de quem não sonha, de quem não acredita no impossível, não busca o diferente, não conhece a felicidade, não sorri. Melancólico quem esqueceu em algum canto escuro dentro de si a criança alegre e pura que um dia já foi, cheia de entusiasmo, de esperança, sem maldade no coração. Pena que depois de alguns anos, para alguns, essa criança fantástica se transformou numa gente-grande fria, calculista, egoísta e sem amor no coração.
Se for utopia imaginar que um dia os profissionais vão se entender, se respeitar e alegremente trabalhar juntos para o sucesso da empresa a que servem e, por extensão, para o bem estar de toda a comunidade, vamos ser utópicos, amigos.
Se for utopia acreditar na capacidade de renovação, resistência e motivação do Ser Humano, independente da idade, da cor, do sexo, das posses e da aparência e, sobretudo, respeitar e reconhecer o valor desse Ser Humano — então, pombas, vamos todos ser desbragadamente utópicos!
Certamente Deus foi utópico ao criar o Homem e imaginar para ele uma vida de dignidade, justiça, alegria, paz e amor. Mas nem por isso Ele deixou de criar nossa raça e é graças a essa divina utopia que estou escrevendo agora e você está me lendo.
Só peço uma coisa ao leitor: você até pode achar este artigo cheio de utopia, mas, por amor aos sonhos, não deixe que suas crianças usem essa palavra feia.