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   Afinal, Quando o Morto Morre?

Estava o corpo morto nu ou vestido para viagem?
O que te fez declarar morto o corpo morto?
Declaraste morto o corpo morto?
Conhecias bem o corpo morto?
Como soubeste que o corpo morto estava morto?


Harold Pinter

Afinal, quando o morto morre? Essa pode parecer uma pergunta descabida, mas gostaríamos de trazer para o segmento algumas reflexões com a intenção de ajudá-los a compreender o quanto o morto permanece vivo para seus familiares, não só nos sentimentos e lembranças, mas, na própria fantasia de vida depositada no corpo já falecido.

Freqüentemente, em nosso trabalho com agentes funerários, ouvimos relatos de que as famílias pedem para agasalhar bem o corpo do falecido, "pois ele sentia muito frio", ou colocar meias e sapatos, "pois ele não gostava de ficar com os pés de fora" ou ainda cenas onde maridos, que perderam suas esposas, não querem que a troca de roupa da companheira já sem vida, seja feita por um agente funerário do gênero masculino.

Estes fatos nos sinalizam, com certa segurança, que o corpo, para nós já sem vida, ainda pulsa com muita intensidade para os familiares. Temos acompanhado atendimentos familiares dos agentes funerários e a própria tanatopraxia e, por certo, observamos a postura ética e respeitosa desses profissionais com o corpo, contudo vale ressaltar os aspectos psicológicos que envolvem a relação da família enlutada com o corpo de seu parente falecido, um corpo morto porém ainda cheio de vida. É preciso não perder de vista esse dado para que possamos conduzir melhor as ações que se fizerem necessárias.

Alguns familiares manifestam o desejo de acompanhar a tanato, mesmo sendo orientados quanto à proibição desta participação.

Neste caso, é preciso escutar com outro ouvido um pedido como este. Sabemos, por outra escuta, que o grande medo da família é quanto ao tratamento que será dado ao corpo, se será manipulado sem cuidado, se será "maltratado". Se o profissional conseguir compreender esta questão, ele poderá hábil e eticamente, não só confortá-los como mostrar o cuidado e a atenção que serão devidamente dados ao corpo. Aliás, cabe aqui uma importante ressalva: a importância e cuidado no uso de algumas palavras como "corpo", por exemplo. Para nós, que estamos no contexto de trabalho, pode parecer adequado referirmos ao corpo, mas para a família aquele não é um corpo, ele tem nome, endereço, laços familiares e, portanto é o José, a Maria, a Flávia, o Antônio etc..... É importante que na medida do possível, possamos nos dirigir à família e amigos usando o nome do falecido, por exemplo:"o Sr Fernando está sendo velado na sala 5."

Alguns relatos de familiares confirmam o fato de que mesmo depois de sepultado, o corpo ainda vive para a família.

Família 1- "em dia de chuva eu fico muito aflita, pois acho que a chuva pode molhar meu pai que está enterrado"

Família 2- "será que ela está bem lá em baixo? Não estaria se sentindo sozinha?"

Família 3 - "será que ela sente frio?"

Estes são alguns depoimentos que nos mostram o quanto a razão e a realidade não dão conta dos aspectos psicológicos envolvidos no processo de luto.

O corpo morto dá início ao processo de luto familiar, mas ainda levará algum tempo para que os enlutados possam se apropriar desta idéia. O fato de que a família trata o morto como vivo, deve ser um ponto importante a ser considerado na relação dos funcionários de cemitérios e funerárias com os clientes. Cabendo, portanto um zelo maior no contato com os familiares tanto na utilização de uma linguagem respeitosa quanto no entendimento de certos pedidos e comentários feitos pelos mesmos.


"Morta serei árvore, serei tronco, serei fronde" (Cora Coralina)

"O óbito estava atestado, mas o coração dela ainda pulsava dentro de mim" (Autor desconhecido)



Fonte: Ana Lúcia Naletto e Lélia Faleiros Oliveira são psicólogas do Centro Maiêutica e desenvolvem trabalhos na área de luto em cemitérios, crematórios e funerárias. www.centromaieutica.com.br


Fonte: Maiêutica


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