"De todos os sentidos, o mais importante para a aprendizagem do amor, do viver junto e da cidadania é a audição. Disse o escritor sagrado: ‘No princípio era o verbo’. Eu acrescento: ‘Antes do verbo era o silêncio.’ É do silêncio que nasce o ouvir. Só posso ouvir a palavra, se meus ruídos interiores forem silenciados. Só posso ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Quem fala muito não ouve. Sabem disso os poetas, esses seres de fala mínima. Eles falam, sim. Para ouvir as vozes do silêncio." - Do escritor Rubem Alves
Você sabe ouvir o seu filho, mulher, chefe, colega de trabalho ou amigo? A tarefa não é tão fácil quanto parece, porque ouvir é “deixar de lado a sua onipotência, não ter controle da situação, mas se despojar do próprio narcisismo. É preciso colocar a virtude da humildade no lugar da arrogância”. É assim que a escritora e psicanalista Ana Cecília Carvalho reconhece o ato de ouvir, “que não se aprende em nenhum manual de auto-ajuda, mas por meio de experiências pessoais”. Ela, por exemplo, passou por uma experiência enriquecedora com um velho amigo. “Ele me esperava chegar às reuniões sociais com muita expectativa e até com uma certa ansiedade. Quando eu aparecia, lá estava ele sentado, sozinho e quieto, e ia logo dizendo que era muito bom me ver, porque a partir daquele momento, ele poderia ficar em silêncio, sem dizer nada.”
Saber ouvir, segundo Ana Cecília, é aprender a ficar em silêncio. “É dar espaço para o outro falar o que quiser. E se não quiser, não dar importância, desde que um dos dois suporte bem o silêncio. Uma pessoa escuta melhor quando suporta não ter o que dizer”, explica.
Em um de seus artigos, o escritor Rubens Alves também reconhece que “não nos sentimos em casa no silêncio. Quando a conversa pára, por não ter o que dizer, tratamos logo de falar qualquer coisa, para pôr um fim ao silêncio”. Em uma de suas obras, ele inclui um ensaio sobre a psicologia dos elevadores. “Ali estamos, nós, fechados naquele cubículo. Um diante do outro. Olhamos nos olhos um do outro? Ou para o chão? Nada temos para falar e esse silêncio é como se fosse uma ofensa. Então, falamos sobre o tempo. Mas nós bem sabemos que se trata de uma farsa para encher o tempo até que o elevador pare.”
Segundo ele, os orientais entendem melhor o silêncio. “Se não me engano, o nome do filme é Aconteceu em Tóquio, com duas velhinhas que se visitavam. Por horas, elas ficavam juntas, sem dizer uma única palavra. Nada diziam, porque no silêncio delas morava um mundo. Faziam silêncio não por não ter nada a dizer. Mas porque o que tinham a dizer, não cabia em palavras”. E completa: “A filosofia ocidental é obcecada pela questão do ser, mas a oriental valoriza o vazio, o nada. É no vazio da jarra que se colocam flores”.
A profissão de psicanalista é baseada no ato de ouvir, mas fora do consultório, Ana Cecília não pode ficar escutando o inconsciente de todas as pessoas, em todos os lugares. “Embora seja possível, não posso fazer uma boa escuta, que tem a ver com o interesse de um indivíduo pelo outro. Não por curiosidade, mas por um interesse genuíno. Para escutar, tenho que calar os meus ruídos internos, para deixar o outro falar. E dar valor ao que está sendo dito.”
Apesar de reconhecer que o silêncio é significativo, não tem como fugir do equívoco. Tanto do silêncio quanto da fala: “Portanto, saiba bancar as conseqüências das suas palavras e também do seu silêncio”, diz.