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   Em Busca de Mecanismos de Adaptação e Superação no Luto Familiar

Crise Familiar Frente à Morte
A crise deflagrada por uma morte promove uma desestabilização em todo o sistema familiar, envolvendo distintos aspectos, dentre eles, a difícil tarefa de renúncia e a de excluir e incluir novos papéis e personagens na cena familiar. A vivência desta crise pode estancar a família no seu processo natural de desenvolvimento, além da perda de perspectivas presentes e futuras de seus membros. Neste processo complexo e recursivo, estão alocados múltiplos fatores que podem definir o rumo do luto individual e familiar. Tratam-se de aspectos fundamentais para que nós, terapeutas, possamos encontrar estratégias de ação para ajudar no resgate das potencialidades humanas diante de situações traumáticas.

Mecanismos de Defesa - Individuais e Compartilhados
O primeiro ponto a enfatizar é de que a dor da perda, como bem refere Worden (1998), não pode ser quantificada e cada indivíduo deve ser compreendido em sua necessidade pessoal, com suas características e reações particulares. Dentre os aspectos individuais, estão os mecanismos de adaptação que estão presentes ao longo de todo processo evolutivo humano, podendo ser somáticos ou psíquicos. Tais mecanismos são evocados como proteção frente a experiências e/ou situações perturbadoras ou angustiantes, podendo apresentar-se tanto com um caráter progressivo, como regressivo. Suas principais finalidades, de acordo com Anna Freud (1983) são: proteger a integridade emocional; satisfazer as necessidades afetivas mais imediatas; preservar a harmonia entre tendências antagônicas do self; diminuir a tensão e angústia decorrentes de situações estressantes e tornar a realidade mais tolerável.

Os mecanismos considerados mais adaptativos são aqueles que auxiliam na reorganização emocional após eventos de alto grau de frustração e/ou privação. O ego encontra alternativas maduras e adequadas para dar conta de sua angústia, encontrando saídas de progresso e crescimento após a vivência aguda da crise. Destaco entre estes:

a simbolização, representada por palavras ou objetos carregados de significado que acionam o deslocamento dos valores emocionais para representações aceitas psiquicamente;
sublimação, com o desenvolvimento de atividades produtivas e canalizadas para ações gratificantes e benéficas;
substituição: busca de gratificações alternativas para substituir frustrações vivenciadas;

Tais mecanismos podem ser potencializados para que os indivíduos reduzam os sentimentos de perda de perspectivas e de patologização ao se depararem com a crise decorrente do processo de enlutamento. Os mecanismos situados dentre os mais regressivos contemplam negação e evitação, estruturas inconscientes que bloqueiam a realidade indesejável que causa sofrimento ao ego e são maciçamente encontrados no processo de luto. A ampla literatura do assunto refere que estes dois mecanismos associam-se ao próprio temor de morrer, promovendo um distanciamento natural e inato do ser humano em relação ao tema da morte, tornando-se um assunto “tabu” e proibido. A projeção é outro mecanismo menos adaptativo largamente utilizado quando da perda de uma pessoa amada. Trata-se do movimento de colocar em outra pessoa aspectos do próprio self que podem estar impedidos de serem reconhecidos como seus.

A projeção é muito usada na busca de responsáveis pela morte ocorrida e de respostas e justificativas da morte, o que muitas vezes pode dar uma sensação ilusória de aplacamento da dor da perda ou ainda, a visualização dos sentimentos alheios, mas negação dos seus. A identificação com aspectos de self da pessoa morta também é percebida comumente nos indivíduos enlutados, podendo representar a recusa da aceitação da separação e da renúncia necessária. A idealização também é um dos mecanismos amplamente utilizados pelas pessoas em luto, que passam a tratar e referir-se à pessoa morta como maculada, perfeita, o que dificulta a conexão com os sentimentos ambivalentes presentes neste processo, que incluem: raiva, tristeza, culpa, compaixão, dentre outros.

Resiliência Relacional
Quanto mais se ajustam os mecanismos de superação de conflitos, mais se fortalece a resiliência, termo que segundo Walsh (1998) provêm da física e se refere à capacidade de um material de recobrar sua forma original depois de haver estado submetido a altas pressões. Por analogia, nas ciências humanas se começou a utilizar esta palavra para designar a faculdade humana que permite às pessoas, apesar de atravessar situações adversas, sair não somente a salvo, como ainda, transformados pela experiência. Tendo em conta que a resiliência, como a maioria das faculdades humanas, não é um dom totalmente inato, nem totalmente adquirido, se tratou de identificar quais eram os fatores que promoviam aquela proteção, com o objetivo de buscar ferramentas metodológicas que permitam fomentá-las nas pessoas.

A possibilidade de estabelecer uma auto estima positiva, baseada em ganhos, cumprimento e reconhecimento de responsabilidades, oportunidades de desenvolver destrezas sociais, cognitivas e emocionais para enfrentar problemas, tomar decisões e prever conseqüências, incrementar o locus de controle interno (isto é reconhecer em si mesmo a possibilidade de transformar circunstâncias de modo que respondam a suas necessidades, preservação e aspirações) são fatores pessoais protetores que podem ser fomentados e que se vinculam ao desenvolvimento da resiliência. Hoje já podemos ampliar este conceito para resiliência relacional, ou propriamente, familiar. Representa a capacidade do grupo familiar de suportar crises e adversidades acionando o potencial de reparação e superação.

Walsh e McGoldrick (1998) corroboram esta idéia afirmando que a intensidade da crise se dá pelo desequilíbrio entre a quantidade de ajustamento necessário e os recursos disponíveis para sua realização. A partir da experiência de transpor o desafio da crise e superá-la fortalece a capacidade resiliente da família para enfrentamento de adversidades futuras. É fundamental, portanto, que as pessoas não apenas passem por crises, mas que as enfrentem em sua plenitude, para que delas possam levar aprendizagem e crescimento para novas mudanças. Quando este ajuste ocorre em apenas parte do sistema familiar, cria-se um desequilíbrio entre os membros, onde uns tornam-se mais resilientes que outros e estas diferenças podem afastá-los, justamente nos momentos de reorganização de papéis e de vínculos na família.

Os mecanismos de adaptação e enfrentamento estão presentes ao longo da vida familiar e desenvolvem-se de acordo com os padrões interacionais existentes. A capacidade da família de superação de um evento traumático depende, portanto, de inúmeras variáveis culturais, estruturais, ambientais e sem sombra de dúvidas, de questões constitutivas e inconscientes a partir das experiências traumáticas vividas pelos membros da família.

Crescimento na Dor
Dessa forma, a experiência de luto na família promove a busca de uma nova identidade individual e relacional em que cada um deve definir o que quer manter em si e na família. Na verdade, doses graduais de enfrentamento das dificuldades pode operar de modo similar à imunização, segundo Worden ( 1998 ). Quanto mais vai aumentando, maior o grau de proteção e eficácia para o enfrentamento de eventos críticos. O mecanismo projetivo é comumente usado entre os membros da família, podendo causar um emaranhamento nas relações e sentimentos de despersonalização, pois já não se sabe quem sente e pensa o quê. Quanto mais sólida a base que estrutura o sistema familiar e quanto mais puder contar com um sistema de apoio, maior será sua capacidade de absorver fatos novos e desorganizadores, podendo, assim, reintegrar-se nas etapas evolutivas esperadas. Em meio ao turbilhão gerado pela onda de choque emocional, a família pode estancar-se e não explorar sua real capacidade elástica de enfrentar e solucionar suas dificuldades, por mais intensas que sejam.


Fonte: www.cefipoa.com.br


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