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   A Apoteose do Adeus


Os funerais com produção de festa, uma tradição americana, começam a se tornar menos incomuns no Brasil. Tapetes persas e castiçais de prata decoram o enorme salão. Os convidados chegam bem-vestidos, são recepcionados pela hostess e servidos por um garçom. O piano soa levemente ao fundo, enquanto o mestre-de-cerimônias dá início ao evento. O serviço começa a ser oferecido no mercado brasileiro a famílias que podem pagar até 50.000 reais por uma despedida em grande estilo.

Pacotes incluem homenagens apoteóticas ao falecido, que pode chegar dentro de um caixão em meio a fumaça e efeitos especiais. Ou, então, ser recebido por uma chuva de pétalas de rosas caída de um helicóptero. Profissionais especializados em velórios já oferecem seus serviços em diversos estados do Brasil, prometendo cuidar de todos os detalhes operacionais para que as exéquias de determinada figura sejam um sucesso. Além da papelada burocrática, cabe a eles encomendar o caixão e as flores mais adequadas à personalidade do falecido, conceber a decoração e ligar para amigos e autoridades convidando para o evento. É também o cerimonialista quem cuida de detalhes um tanto sutis, como organizar o espaço de forma que a família tenha lugar junto ao caixão e impedir a aproximação de penetras. "Oferecemos dignidade na hora da dor, mas com um certo acabamento", diz Vital Walter Filho, paulista de Botucatu, mestre-de-cerimônias em funerais, bacharel em direito, pianista e maestro de orquestra.

O mercado cresce no Brasil seguindo passos de outros países, como os Estados Unidos, onde o ritual fúnebre beira o espetáculo. Os americanos já criaram até escolas para formar profissionais gabaritados no ramo. Por aqui, aprende-se na prática. O cerimonialista fúnebre tem de saber cuidar da postura, fazer pausas meditadas durante a leitura e prestar atenção ao tipo de olhar a ser dirigido ao público. Cabe também ao profissional, pelo menos aos mais tarimbados, acompanhar a família de uma ponta a outra do processo, verificando se todos estão se alimentando bem, se há alguém com sono ou precisando de um analgésico.


"Numa hora de dor, nem sempre as pessoas têm cabeça para pensar em tudo", assegura o mestre-de-cerimônias Eduardo Costa, de Goiânia, especialista em velórios, casamentos e formaturas. Há oito anos, desde que produziu o enterro do cantor sertanejo Leandro, da dupla Leandro e Leonardo – com música ao vivo, telão e jantar para 100 pessoas –, passou a oferecer funerais de luxo para figuras menos famosas, mas igualmente exigentes. "Alguns cuidados fazem toda a diferença, como mandar um cartão para os convidados no dia seguinte, agradecendo pela presença no evento", diz Eduardo. Ele prepara o bufê e instala o telão onde são exibidos os melhores momentos da vida do morto. Pompas que fazem do funeral um evento para ser comentado depois.

Em alguns casos, as últimas honrarias ganham contornos teatrais. No complexo funerário Orlando Panhozzi, em Botucatu, São Paulo, o caixão surge no velório apoiado por um sistema mecânico transparente, que dá a impressão de que ele está flutuando. O esquife desaparece por trás das cortinas, sob uma chuva de pétalas. O Crematório Metropolitano Primaveras, em Guarulhos, na Grande São Paulo, contratou o cenógrafo Cyro Del Nero, famoso por produzir aberturas do Fantástico nos anos 80, para fazer os efeitos especiais das cerimônias. O ritual de cremação é realizado em um anfiteatro com paredes vermelhas e sessenta poltronas estofadas. O caixão fica em cima do palco. Um sistema mecânico faz com que ele se erga lentamente – até desaparecer no teto, a 4 metros de altura, ao som da música-tema do filme Titanic. A trilha não é obrigatória, mas é a mais pedida entre 1.500 disponíveis, que incluem até sucessos da novela das 8 e pontos de umbanda. A cerimônia dura quinze minutos, custa em média 2 000 reais e oferece outros adicionais, dependendo do interesse e do bolso da família, como o registro do enterro em fotografia ou DVD. "Planejamos tudo para que cada detalhe seja confortante para a família", diz Gisela Adissi, diretora do crematório.

A "promoter de funeral" Maria Aparecida Alves Lima, que atende em um cemitério do Morumbi, em São Paulo, diz que um enterro luxuoso pode custar até 50 000 reais. Nos Estados Unidos, os funerais podem durar até uma semana. Aqui, Maria Aparecida corre contra o relógio para providenciar o básico em poucas horas, ou seja, serviço de garçom, recepção aos convidados, flores importadas, esculturas para a decoração, um pianista e até o helicóptero para jogar as flores sobre o cortejo. "É a última coisa que a pessoa vai fazer para um ente querido, por isso ela paga o preço que for", afirma a promoter. O exagero cenográfico, ou hiper-ritualidade dos funerais, tem clara influência estrangeira. Para o antropólogo José Carlos Rodrigues, autor do livro Tabu da Morte (Editora Fiocruz), a tendência de espetacularização da vida acaba se refletindo também nos rituais de despedida. Em Votuporanga, no interior de São Paulo, o grupo Rosa Mística oferece velórios temáticos que custam até 5 000 reais. A família pode escolher temas como pescaria, futebol ou caubói, dependendo dos gostos do morto.

Nos Estados Unidos, há séculos fazem parte da cultura de ricos e pobres os funerais que escondem a crueza da morte com música, boa comida e encenações trabalhosas. Com a transformação do país em potência econômica, os funerais, como quase todas as manifestações culturais, tornaram-se uma indústria forte. As maiores funeral homes são listadas na bolsa de valores e seus donos entram na relação de milionários das revistas de negócios. Recentemente, a indústria da morte nos Estados Unidos passou por um processo de fusão que criou enormes conglomerados, muitos dos quais engoliram as pequenas funerárias municipais. Com isso, os enterros tornaram-se ainda mais elaborados. "Às vezes o cadáver é colocado como se estivesse fazendo um gesto de vivo, seja atendendo um telefonema, lendo jornal ou assinando um cheque", conta Rodrigues. A preocupação com o destino do cadáver é um dos primeiros sinais civilizatórios. Ela apareceu na história humana há cerca de 40.000 anos, durante a última grande Idade do Gelo. Não por coincidência, no mesmo período histórico os antepassados do homem moderno começaram a se organizar em famílias, a proibir o incesto, a cultivar a arte e a praticar formas primitivas de cultos religiosos. Nas culturas da Antiguidade como a grega e a egípcia, o cuidado com os mortos atingiu seu auge. Os faraós egípcios comandavam a construção das pirâmides onde seriam sepultados e supervisionavam os sarcófagos. Quando morriam, iam para o túmulo com suas jóias, roupas, alimentos, animais domésticos e até escravos, sacerdotes e médicos. O ritual fúnebre levava três meses.

Ao Estilo Americano


Enterrar os mortos em caixões que refletem os gostos e características da pessoa é uma arte cultivada nos Estados Unidos e que se espalha pelo mundo.

 





















 





















 

















 

















 















 















 















Data de Publicação:  10/10/2006    Fonte: Revista Veja


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