Vimos no texto anterior que trabalhar diretamente com a morte é entrar em contato, todos os dias - em cada cena de sepultamento, de velório, de visitas dos familiares enlutados - com a própria vulnerabilidade em relação a esses acontecimentos e sentimentos. Em razão disto temos enfatizado a necessidade de qualificar os funcionários que atuam em cemitérios, velórios e funerárias para o trato diário com os enlutados que estão sob forte impacto da dor da perda e, por vezes, completamente desorientados.
É importante destacarmos que o primeiro passo antes do treinamento dos funcionários é o levantamento das possibilidades e das competências que cada um apresenta para o trabalho. Isto acontece porque as características pessoais, que chamaremos aqui de competências, interferem no trabalho seja para torná-lo ainda melhor, seja para dificultá-lo.
Quais seriam as competências necessárias às pessoas que trabalham no segmento funerário e em cemitérios?• Gostar de Lidar com Pessoas Consideramos essencial que o funcionário deste segmento tenha disponibilidade interna de se relacionar e que goste de lidar com pessoas porque o atendimento às famílias é continuo. Além disto, os funcionários estarão lidando com o ser humano em seu pior estado de fragilidade emocional. Um pessoa em sofrimento tende a dar o pior de si, a agredir ou mesmo tornar-se apática a tudo. Temos relatos de funcionários que atenderam enlutados muito nervosos, pessoas agressivas e que, provavelmente estavam sob forte impacto da dor da perda.
• Ter estratégias para Lidar com Situações ImprevisíveisAlém de gostar de lidar com pessoas, quem atua neste segmento sabe que o dia-a-dia de um cemitério ou funerária nunca é rotineiro. Ao lidar com as pessoas que perderam entes queridos, muitas coisas imprevisíveis acontecem porque cada indivíduo reage de uma forma à morte. As formas que os enlutados encontram para expressar seu luto são as mais diversas possíveis. Assim, é importante que o funcionário possa reconhecer as diferenças na expressão do luto, para poder flexibilizar suas ações, ajudando os familiares. Um bom exemplo desta situação é um fato verídico de um pai que pede, na hora do sepultamento, que coloquem uma lanterna acessa no caixão do filho, porque o mesmo tinha medo de escuro. Embora este pedido parecesse estranho, o sepultador diz: "Senhor, não posso abrir o caixão, mas podemos colocar a lanterna acesa dentro da laje, assim, todo o espaço interno vai ficar iluminado."
Até hoje, o pai se lembra da forma como foi acolhido pelo sepultador, em sua solicitação. Por isso é essencial que os funcionários tenham flexibilidade e estratégias para lidar com imprevistos.
• Ter Disponibilidade Interna para ServirO principal papel dos funcionários de funerárias, cemitérios e velórios é servir. Independentemente do setor que ele atue, seu princípio básico deve ser o de servir às pessoas. Os enlutados em geral estão muito vulneráveis e desorientados no momento do velório e sepultamento. Mesmo depois, durante as visitas ao cemitério, a carga emocional é tão intensa que eles podem ficar desorientados novamente. Por isso é de extrema necessidade que os funcionários estejam prontos a orientar, a oferecer ajuda, a observar o comportamento dos enlutados e antecipar suas necessidades sem nem mesmo esperar para ser solicitado.
Para os enlutados, todo tipo de ajuda é importante, seja para ajudá-lo a encontrar um jazigo, seja para carregar uns vasos pesados, seja para explicar onde fica a saída, o banheiro ou buscar um copo de água para alguém mais necessitado.
• Conhecer o Processo De LutoTodo profissional, independentemente da área em que atua, precisa conhecer bem o segmento em que trabalha. Se uma pessoa atua na área de aviação deve entender bastante das rotas, de tipos de aviões, do tipo de público que utiliza este serviço, dentre outras coisas. Assim também, as equipes que atuam em cemitérios e funerárias devem conhecer bem as características do seu trabalho não só nos aspectos físicos como tipos de coroas, caixões, documentos necessários para sepultar, exumação, etc. Devem ainda ampliar seu conhecimento para compreender como estão as pessoas que procuram este tipo de serviço. Neste sentido defendemos a necessidade dos funcionários conhecerem o processo de luto e suas fases, seu significado na vida do individuo e as atitudes que favorecem um bom processo de desligamento.
• Saber Ouvir as Pessoas Esta é uma competência que precisa ser lapidada pois há um equívoco grande entre escutar e ouvir. Escutar é apenas deixar com que as palavras entrem no ouvido da forma como elas vieram da boca da outra pessoa. Ouvir o outro vai além de escutar, é tentar compreender as intenções da pessoa que está falando. Por exemplo: se um enlutado procura a administração, reclamando que seu jazigo não está sendo limpo regularmente. Neste caso, ele pode realmente estar fazendo uma queixa pertinente, pois está faltando limpeza no local. Contudo o que ele pode estar dizendo que tudo que é feito em relação ao jazigo do ente que perdeu, é pouco porque esta pessoa era importante demais.
Em outros casos, basta somente ouvir com atenção um desabafo, uma história sobre o falecido. O fato é que um funcionário deve estar disposto a "ouvir".
Esperamos mais uma vez, poder ter trazido para o segmento novas contribuições no que diz respeito à capacitação dos funcionários para a realização de um serviço cada vez mais humanizado e ético nas funerárias, cemitérios e velórios.
Lembrem-se que temos uma sala no Fórum do FOL chamada "Maiêutica" onde todas as pessoas envolvidas de alguma forma com o setor de Cemitérios, Funerárias, Planos e Crematórios, estão convidadas a deixar sua dúvida, opinião e sugestão referente a este assunto.
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No próximo mês trataremos com mais detalhes sobre "O Processo de Luto" Fonte: Ana Lúcia Naletto e Lélia Faleiros Oliveira são psicólogas do Centro Maiêutica e desenvolvem trabalhos na área de luto em cemitérios, crematórios e funerárias.
www.centromaieutica.com.br