Uma coleção de retalhos chamuscados mantida no depósito de um museu grego é tudo o que resta do que, segundo arqueólogos, seria o livro mais antigo da Europa - e que pode guardar a chave para a compreensão das primeiras crenças monoteístas.
Mais de quatro décadas após a descoberta do papiro Derveni, no túmulo de um nobre grego de 2,4 mil anos, pesquisadores anunciam que estão perto de desvendar um novo texto - revelado por meio de análises digitais de alta tecnologia - dos fragmentos, queimados na pira funerária de seu dono.
Amplos segmentos do livro do século 4 a.C. - um tratado filosófico sobre religião - foram lidos anos atrás, mas nunca publicados oficialmente. Agora, o arqueólogo Polyxeni Veleni acredita que as mesmas técnicas digitais usadas para decifrar o Evangelho de Judas poderão expandir e clarificar o texto. "Creio que de 10% a 20% de texto novo será acrescido, o que poderá ter importância crucial", disse Veleni, diretor do Museu Arqueológico Tessalonica, onde o manuscrito é guardado.
O pergaminho, originalmente um papiro de vários metros enrolado ao redor de dois bastões de madeira, foi encontrado, queimado, em 1962. Data de 340 a.C., durante o reinado de Filipe II da Macedônia, pai de Alexandre o Grande. "Trata-se do mais antigo livro ainda em existência na tradição ocidental, se me permitirem usar o termo para um pergaminho", disse Veleni. O filósofo grego Apostolos Pierris diz que o livro pode ser cem anos mais antigo.
"Provavelmente foi escrito por alguém do círculo de Anaxágoras, na segunda metade do quinto século antes de Cristo", diz Pierris. Acredita-se que Anaxágoras, um ateniense, foi professor de Sócrates. Ele foi acusado de ateísmo.
O pergaminho contém um tratado filosófico a respeito de um poema , hoje perdido, que descrevia o nascimento dos deuses e outras crenças pela visão de Orfeu, o músico mitológico que visitou o inferno para resgatar a alma de sua amada. O culto de Orfeu levantou a noção de um criador único - em oposição às multidões de deuses das crenças antigas - e influenciou muitas das fés monoteístas que vieram depois.
"De certa forma, foi um precursor do cristianismo", disse Pierris. "O orfismo acreditava que a salvação do homem dependia do seu conhecimento da verdade."
A cova de Derveni, cerca de oito quilômetros a leste de Thessaloniki, era parte de um cemitério rico que pertencia à cidade de Lete. "Pertencia a um homem muito rico, um nobre Macedônio, guerreiro e atleta que tinha pertences muito importantes na sua cova", disse Veleni. Outros objetos encontrados incluem vasos de metal, uma coroa de ouro e armas.