A principal ruptura que acontece na vida de alguém não está sozinha: vem acompanhada da necessidade de um ajustamento, tanto no modo de olhar o mundo, como nos planos para se viver nele. É assim após a morte de uma pessoa querida. A reação a esta perda, no nível físico, emocional, social e espiritual, é variável e depende das circunstâncias que rodeiam a morte: tipo de relacionamento entre o falecido e o enlutado, a força que a pessoa tem e a qualidade de seu mecanismo de defesa.
A dor do sofrimento é o preço que pagamos por nos envolver. Na realidade, quando escolhemos alguém para algum tipo de relacionamento, deveríamos saber que também corremos o risco de sofrer, pois chegará, inevitavelmente, a hora em que teremos de dizer adeus… e deixar partir. É quando o sofrimento começa. Assim como leva tempo para se amar, também leva tempo para deixar partir. Dizem que "o tempo cura". O tempo, por si, não cura: é o que fazemos com o tempo que pode curar. E o que fazer com o tempo para que ele se torne uma fonte de cura? Dar tempo ao tempo para aceitar a morte: essa é uma condição necessária para continuarmos a viver. Não haverá melhora até que enfrentemos a morte, realmente, face a face.
Nossa fantasia reage como um anestésico "suavizador do sofrimento": esperamos que tudo tenha sido um pesadelo, de que nos livraremos ao acordar pela manhã. Quando a realidade da morte penetra gradualmente, perguntamos: isto aconteceu? Não é importante que tenhamos uma resposta, porque a resposta é racional, e a dor é emocional. Importante é compreender o que aconteceu.
O único meio de "entender" a morte é admiti-la. Ela nos coloca diante de nossa própria mortalidade e vulnerabilidade, e temos a experiência imediata do que significa ser abandonado, desprotegido, ferido, solitário. Enfim, do que significa, verdadeiramente, ser humano.
Sim, nosso ente querido morreu! Mas isso não significa que iremos morrer também com ele. Temos de juntar os pedaços. E seguir em frente. Dar tempo ao tempo para deixar partir. Uma das mais difíceis experiências humanas é a partida. No entanto, do nascimento à morte, a vida é uma série de partidas. Algumas temporárias; outras permanentes. A partida nos lembra que não temos controle total sobre a vida, e que precisamos aceitar o que não podemos controlar. Por vezes tentamos ser Deus, porque ser humano é por demais doloroso. A partida significa ajustar-se à nova realidade, em que o outro não está mais presente. Acontece quando o nós se torna eu, quando formos capazes de substituir a presença física de quem se foi pela lembrança que nos deixou. Quando suportamos e aceitamos os sofrimentos que podem acompanhar a morte: aflição, culpa, medo, tristeza, depressão.
Dar tempo para tomar decisões. É importante que cada um de nós, numa situação de perda, seja paciente consigo mesmo e aprenda gradualmente a tomar decisões, com meio de manter o senso do próprio valor. É prudente adiar decisões importantes. Mas não esperar demais: decidir sobre nossa vida ajuda-nos a ganhar algum controle sobre ela e aumenta nossa autoconfiança.
Dar tempo para compartilhar. Talvez a maior necessidade de quem perdeu alguém seja ter com quem compartilhar sua dor… suas lembranças… sua tristeza. Na vida só aceitamos aquilo que compartilhamos. As pessoas enlutadas precisam de tempo e espaço para "trabalhar" a dor. Quando somos estranhos ao sofrimento, é fácil colocar nossas expectativas nos enlutados. Quando sofremos, precisamos de alguém que olhe para trás. É o passado, e não o futuro, que permanece como fonte de conforto nos primeiros estágios da dor. É aquilo que ficou em nós, daquela pessoa que morreu.
Sobreviver é encontrar sentido no sofrimento. A dor que tem sentido é suportável, mas essa noção não surge de repente. Às vezes, o sofrimento pode abalar nossa fé: gostaríamos de saber o que Deus está querendo, ou se ele se esqueceu de nós. Nossa fé não tira o sofrimento. Ajuda-nos a conviver com ele.
Dar tempo para perdoar. O sentimento de culpa e a necessidade de perdão acompanham muitas de nossas experiências, especialmente as inacabadas. Quando relembramos nossa vida e relacionamento com a pessoa que se foi, sempre descobriremos falhas. Precisamos aceitar nossas imperfeições e encontrar paz dentro de nós. Do mesmo modo que nosso amor não era perfeito e incluía fraquezas e forças, também o dele não era. Por isso, não procuremos idealizar o outro só porque se foi. Ele não se tornou santo porque morreu. É saudável recordá-lo como era.
Dar tempo para se sentir bem consigo mesmo. Quem perdeu alguém muito próximo não está condenado à infelicidade. Nós não nascemos felizes ou infelizes. Aprendemos a ser felizes pelo modo com que nos ajustamos aos desafios e pelas oportunidades que a vida nos oferece e sabemos aproveitar. Precisamos ser pacientes conosco mesmos e dar-nos tempo para aprender e para errar… Sempre surgirão oportunidades que ajudam o enlutado a investir suas energias e esforços em atividades novas, que lhe dão o sentido de dignidade e valor pessoal.
Dar tempo para rir. E por que não? Na vida existem tantas razões para rir como para chorar. No sofrimento, chegará a hora em que nossas lágrimas virão com menos freqüência e intensidade. Aprenderemos a recordar sem chorar. O riso, por outro lado, ajuda-nos a sobreviver. Podemos sorrir de nossas lembranças, erros, ações e pensamentos… Há muita comédia em nossas tragédias. Sem riso e humor, a vida tornar-se-ia uma triste jornada. O riso liberta-nos da tensão e ajuda a conservar as energias.
Dar tempo para amar. Uma pessoa liberta-se do sofrimento quando se sente querida e necessária. Ser capaz de ajudar alguém dá sentido a nossa vida, nos faz sentir bem e auxilia a compreender que nossa experiência pode ser colocada a serviço dos outros.
Enfim, o caminho para amenizar o sofrimento é dar tempo ao tempo, para descobrirmos formas e modos de orientar nossa vida no sentido de algo com significado. No sofrimento, ninguém pode tirar nossa dor, como num passe de mágica, porque ninguém pode roubar nosso amor. O chamado da vida é aprender a amar de novo.
E como nos traz Maria Helena Pereira Franco: "O luto pela perda de uma pessoa amada é a experiência mais universal e, ao mesmo tempo, mais desorganizadora e assustadora que vive o ser humano. O sentido dado à vida é repensado, as relações são refeitas a partir de uma avaliação de seu significado, a identidade pessoal se transforma. Nada mais é como costumava ser. E ainda assim há vida no luto, há esperança de transformação, de recomeço. Porque há um tempo de chegar e um tempo de partir, a vida e feita de pequenos e grandes lutos e o ser humano se dá conta de sua condição de ser mortal, porque é humano".