Uma das coisas mais civilizadas que o cinema mostra da cultura norte-americana é, sem dúvida, o seu cerimonial fúnebre – ou pompas, como gostam de dizer os franceses. Seja morte de gângster, de criança ou de qualquer outra pessoa, tudo é muito organizado, contido, bem dentro do clima que um acontecimento desses deve ter. O que confunde um pouco a nossa cultura é aquele lanche que a família do morto oferece aos parentes e amigos depois do enterro. Mas até isso tem um significado interessante, porque é um tempo de conforto em torno da comida – que consegue amaciar sofrimentos.
Por aqui, seja enterro, seja missa de sétimo dia, uma morte é sempre um acontecimento que muitas vezes beira a confusão. Quando não se transforma quase em um acontecimento social, que todos aproveitam para colocar o papo em dia – e a voz vai aumentando seus decibéis à medida que o assunto vai fazendo sucesso. O morto, coitado, fica muitas vezes abandonado. Quando as presenças são em menor número, essa diferença choca menos. Mas quando o velório é muito concorrido, até cumprimentar a família fica difícil. E o empurra-empurra joga por terra qualquer boa regra de educação.
As missas de sétimo dia – um suplício que poderia ser cortado das cerimônias fúnebres –, podem ser avaliadas, atualmente, como simples compromissos sociais. Tirando a família, que vai e revive o sofrimento da perda mais uma vez, a solidariedade se confunde com o dever social. Aliás, o excesso de presença de algumas missas é resultado de um costume bem tradicional da cultura brasileira que foi engolido pelo progresso: as visitas de pêsames.
Como sou de família muito grande, cresci presenciando essas visitas, que rolavam por toda a semana que se seguia ao enterro. Os amigos, parentes e conhecidos eram recebidos na sala de visitas com um cafezinho e um prato de biscoitos. Hoje, como o tempo é curto para todos, esse costume terminou. Só a família, e os amigos muito íntimos, mas muito íntimos mesmo, costumam se reunir depois de uma morte. O restante vai mesmo é na missa de sétimo dia.
A falta de garantia que os cemitérios oferecem e o sumiço do respeito ao próximo acabaram com um tormento, que é o velório da noite inteira. A moda começou no Rio, onde os bandidos descobriram rapidamente que as pessoas que iam passar a noite velando um morto eram ótimas presas para roubos. Então, os velórios passaram a ser fechados a partir de uma certa hora. O costume chegou aqui e os velórios são fechados por volta da meia-noite, a família e os amigos se retiram para suas casas. O morto fica sozinho – e não deve sentir a menor diferença. Outro tormento é a encomenda do morto – os padres que comparecem para essa última bênção são umas peças raras. No último velório que fui, o padre que encomendava o corpo do morto pediu que rezassem pela alma do próximo presente a morrer: “Porque certamente há algum presente aqui que será o próximo morto”.
Nem é preciso dizer que o mal-estar foi geral, mas o oficiante ficou muito pimpão da vida e terminou sua fala ficando na ponta do pé. Um tique que exibiu a cada pausa de sua encomendação.