“Trabalhar com morte e luto é lidar com emoções”, afirma o psicólogo Aroldo
Escudeiro, do Centro de Estudos em Tanatologia e Psicologia. Ele foi um dos
palestrantes do III Congresso Brasileiro de Tanatologia e Bioética, realizado no
último final de semana, em São Paulo, onde participou do Simpósio “Trabalhar com
morte e luto hoje”. Juntamente com Ingrid Esslinger, do Laboratório de Estudos
da Morte, do Instituto de Psicologia da USP, e Ester Passos Affini, do Grupo Ipê
de Estudos sobre Perdas e Apoio a Pessoas Enlutadas, ambas da USP, Escudeiro
compartilhou a rica experiência vivenciada pelos profissionais que lidam com os
diferentes tipos de perdas e luto. “Como cuidadores devemos estar preparados
para este enfrentamento e cuidarmos também de nossas questões pessoais em
relação à morte e às nossas perdas, para que possamos cuidar bem de nossos
pacientes”. Como lidar com a perda, seja ela concreta (morte) ou simbólica
(separação), é uma tarefa árdua para todos já que difícil quantificar a dor que
o outro sente. O psicólogo cearense indica os vários caminhos, através da
literatura e do cinema, para que possamos entender a linha tênue que aproxima a
vida e a finitude.
Amor e perda é sempre uma relação difícil de ser trabalhada. No caso específico
da mãe que perde o filho; e do filho que perde sua genitora, como tratar o luto?
Dr. Aroldo Escudeiro - O
enlutado por qualquer tipo de perda deve ter a mesma atenção e cuidados por
parte de quem o acompanha, seja o terapeuta, a família ou a sociedade. Perda
significa privação e qualquer pessoa que passe por uma privação sente-a como a
pior dor do mundo. Não podemos mensurar a dor do outro. Em qualquer tipo de
perda, seja ela concreta (morte) ou simbólica (separação), é muito difícil
quantificar a dor que a pessoa sente. No caso específico da perda de um filho,
em minha prática e também segundo a literatura, o processo do luto é mais
delicado pois a lei natural nos mostra que o mais freqüente é os filhos
enterrarem os pais. Quanto a perda da mãe, por parte do filho, as conseqüências
em relação ao processo do luto vai variar conforme a idade desse filho. É certo
que para qualquer filho em qualquer faixa etária, a perda mais difícil de
enfrentar é a da mãe e por vezes a do pai. Quando se tem um filho a situação se
inverte. Se a perda é obsetal o luto tem grande probabilidade de provocar um
quadro depressivo na fase adulta. O luto pressupõe sofrimento. O difícil para
quem o vive é expressá-lo devido a interdição cultural e social.
Como deve acontecer este ''desapego'' ?
Dr. Aroldo Escudeiro - O ideal
é que a pessoa se desapegue em vida de tudo e de todos. Coisas e pessoas.
Afinal, estamos aqui de passagem e tudo nos é emprestado - até os filhos e os
pais. Como a morte é para quem fica, após a perda de alguém significativo
devemos vivenciar o processo do luto. Bowlby nos fala de fases desse processo. A
primeira, o entorpecimento, a sensação de torpor nos defende por algumas horas.
A segunda, o anseio e busca da figura perdida que dura meses e anos. É comum e
natural o enlutado vê sinais da pessoa falecida em tudo. Ele escuta a voz do
morto o chamando, sente o cheiro, sonha muito freqüentemente, escuta passos e
tem a impressão de que o morto está presente. A terceira é a desorganização e
desespero, o momento de enfrentamento da realidade, o que é muito difícil para a
pessoa que perdeu. A quarta fase é a reorganização pois a natureza é sábia e não
nos deixa na mão. É o momento de resignificar a vida. Adotar novos papéis.Worden
nos fala em tarefas. A primeira é aceitar a realidade; a segunda é trabalhar a
dor da perda; a terceira se adaptar ao local onde vivia com a pessoa falecida e
a quarta é reposicioná-la em termos emocionais. Isso significa se dar o direito
a outras experiências afetivas.
Quais as últimas pesquisas sobre os aspectos
psicológicos do luto?
Dr. Aroldo Escudeiro - Alguns
trabalhos sobre aspectos psicológicos do luto foram lançados no III CBTB. Entre
eles: “Luto materno e psicoterapia breve”, de Meliklix Freitas (Summus
Editorial); “Grupo de suporte ao luto”, de Evaldo D´Assumpção (Paulinas); “Luto
na infância”, de Luciana Mazzora e Valéria Tinoco (Livro Pleno); “Dor sileciosa
ou dor silenciada”, de Gabriela Casellato (Livro Pleno); e “A criança e a
morte”, de Wilma Torres (Casa do Psicólogo).
Quais as mais esperadas e inesperadas reações frente à perplexidade
que a morte pode nos causar?
Dr. Aroldo
Escudeiro - As reações mais esperadas frente a morte são: entorpecimento,
estarrecimento, ilusão, desespero, descrença. As inesperadas podem levar a
confusão mental, depressão, reações psicossomáticas e até surto psicótico.
Leia mais sobre o tema:
“O homem diante da morte”, de P.
Arriés (Editora Francisco Alves).
“A negação da morte”, de E. Becker
(Editora Record).
“Angústia, culpa e libertação”, de M.
Boss (Editora Duas Cidades).
“Apego e perda”, de J. Bowlby
(Editora Fontes).
“A psicoterapia em tempos de perdas e
luto”, de F.P Bromberg (Editora Livro Pleno).
“Eutanásia e responsabilidade
médica”, de I.J. Bizatto (Editora de Direito).
“Da morte”, organizado por R.
Cassorla (Editora Papirus).
“Luto e melancolia” (Obras
completas), de S. Freud (Editora Stander).
“Suicídio: Modo de Usar”, de Y.
Bonniec e C. Guillon (Editora EMW).
“Psicologia da morte”, de R.
Ainsenberg e R. Kastenbaum (Editora Pioneira).
“Morte e desenvolvimento humano”, de
M.J. Kovacs (Editora Casa do Psicólogo).
“Sobre a morte e o morrer”, de E.
Ross-Kübler (Editora Martins Fontes).
“O nomeável e o inomiável”, de M.
Mannoni (Editora Jorge Zahar).
“O que é morte”, de J. Maranhão
(Editora Brasiliense).
“O homem e a morte”, de E. Morin
(Editora Imago).
“A família e a morte: Como enfrentar
o luto”, de L. Pincus (Editora Paz e Terra).
“Passagens”, de G. Sheehy (Editora
Francisco Alves).
“Encarando a morte”, de A. Setedeford
(Editora Artes Médicas).
“Terapia do luto”, de J. Worden
(Editora Artes Médicas).
Filmes
“A balada de Narayma” (sobre morte e
velhice).
“Terra das sombras” (perda do
cônjuge).
“A última grande lição” (paciente
terminal).
“O enigma das cartas” (a criança e a
morte).
“O quarto do filho“ (perda do filho).
“No limite do silêncio” (suicídio).
“Uma lição de vida” (paciente
terminal).
“Sob a areia” (perda ambígua).
“O sétimo selo” (conceito de morte).
Fonte: RNT - Rede Nacional de Tanatologia -
www.redenacionaldetanatologia.psc.br