Usuário:

Senha:


Esqueci a Senha!    
Cadastrar-se    



 

   Queimados Pelos Clientes Descontentes

        A enxaqueca do Oswaldo já trincava seus dentes. O enrugado da testa escorria sobre um par de olhos apoiados em olheiras que pediam sutiã. Sugeri uma visita à japonesa do restaurante natural. Ela entendia de acupuntura -- pensava eu -- e saberia espetar a dor. Meu amigo concordou com um gemido.

        Já pensou em quantos clientes chegam até você por indicação? Um número maior ou menor do que os que nunca vêm a você, também por indicação? Você nunca saberá, não é mesmo? Indiquei as agulhas para o Oswaldo, embora não tivesse nenhuma certeza da destreza da japonesa. Depois ele indicaria a outros aquela aula de costura e pirogravura. Para que não fossem.

        Na sala cheirando a incenso descobri que a "especialista" acabara de voltar de um curso de acupuntura. Primeiro e único. Um intensivo de meio período sobre técnicas de acupuntura, do-in, shiatsu e mocha, esta última com uma brasa à guisa de agulha. Comecei a achar que minha amizade com o Oswaldo iria acabar em fumaça.

        Começamos pela acupuntura. Ela esterilizou as agulhas que nunca tinham sido usadas. Nem as agulhas, nem o material, nem os livros, que colocou ao lado do tatame onde Oswaldo jazia sem anestesia. Seria o primeiro encontro das agulhas com carne de verdade, depois de alguns exercícios espetando chuchus.

        Logo a mão de Oswaldo estava coberta de agulhas e filetes de um sangue que insistia em ficar do lado de fora. Talvez para não perder o espetáculo. Se a dor de cabeça não passava, a da mão apenas começava. Mas a mulher não iria perder seu primeiro cliente assim. Iria perdê-lo com mais requinte e tecnologia. Decidiu aumentar a energia das agulhas. Literalmente.

        Uma das engenhocas que trouxera do curso aplicava micro-choques sobre a pele, uma espécie de acupuntura elétrica. O manual mandava aplicar sobre a pele. Ela achou que se aplicado nas agulhas espetadas, levaria a corrente mais fundo e faria mais efeito. E fez. Os próximos dez minutos foram gastos procurando as agulhas que a mão do Oswaldo involuntariamente arremessou para todos os lados. Chocante.
 
        Pior do que encontrar um principiante no negócio, é ser cobaia de quem não se preparou para a profissão. É claro que qualquer profissional ou empresa vai estar sempre iniciando novas práticas, oferecendo novos produtos ou prestando novos serviços. Mas isto não significa transformar o primeiro cliente em têmpora de roleta russa. É preciso ter consciência das conseqüências, que podem estender à própria marca o dano causado no cliente.

        A maioria das empresas se ocupa demais em ganhar clientes, e de menos em mantê-los. Por isso, de dez a trinta por cento dos clientes de uma empresa normal sai por seu ladrão anual. Conquistar um novo cliente custa, no mínimo, cinco vezes mais do que mantê-lo. E chega a ser cem vezes mais caro recuperar quem saiu queimado com o atendimento. Quem não tem essa visão acaba fazendo a coisa no tapa, como aconteceu com o Oswaldo.

        A dor de cabeça não diminuiu, mas Oswaldo agora achava que não era nada comparado com o que sentia. Só que a mulher insistia. Melhor que acupuntura, só mocha. Acendeu um enroladinho de folhas secas de artemísia e pediu para eu ficar soprando a brasa enquanto ela procurava o ponto na foto do livro. No livro, o ponto de aplicação ficava num púbis depilado. No Oswaldo, não.

        O difícil foi fazer a ponta em brasa chegar no ponto da pele sem causar um incêndio na floresta. Difícil? Não, impossível com o Oswaldo querendo tirar o corpo! Tarde demais. Três pares de mãos se apressaram a encher a região de tapas para apagar o tratamento que se alastrava. Foi a gota dágua. Ou antes fosse dágua.

        Oswaldo nem se lembrava da enxaqueca. Nem o cheiro do ambiente lembrava a incenso. O cliente ficou queimado com o atendimento. Achou melhor fugir do que sofrer outro tratamento oriental daquele improvisado arsenal. Farpas de bambu sob as unhas? Não sei. Nessa hora passa de tudo pela cabeça do cliente. Era sua vez de espalhar ao vento as fagulhas do atendimento que recebeu. Um fogo que ninguém apaga. Nem no tapa.


        Fonte:
Mario Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras.






Envie este artigo para um amigo Imprimir este artigo Comentários




Voltar para a p�gina anterior