Sukie Miller
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Numa encantadora tarde de inverno, quando o sol batia
ameno na sala de estar criando um clima terno e aconchegante, me encontrei com
Sukie e seu encantador jeito de ser . Apesar de seu cansaço devido a
inúmeras entrevistas concedidas nesta tarde, a autora falou de Seu livro e suas
descobertas com paixão e alegria, demonstrando ser uma pessoa que ama a vida e
seu trabalho de
pesquisadora e terapeuta analítica.
A autora, que é
norte-americana, psicoterapeuta e pesquisadora do tema ''Pós-Morte", baseia
seu livro: "Depois da Vida", Summus Editorial, em dois eixos
principais:
1. a convivência clinica com pacientes, que se encontram
diante da eminência da morte, vitimados pela AIDS e o câncer.
2.Um
inventario empírico sobre diversas culturas e suas maneiras de entender o
pós-morte. Para tanto, Pesquisou durante 8 anos países como Brasil, Nigéria, Índia, América do Norte e Indonésia.
Pesquisa essa que foi
acompanhada de vivências pessoais e entrevistas com mais de 200 sacerdotes,
teólogos, xamãs e lideres espirituais pertencentes a cerca de trinta grupos
culturais distintos. No Brasil foram pesquisados os descendentes diretos do
grupo Nagô, localizados na Ilha de Itaparica - BA, e referencias aos índios
Guarani e Krenar. Na África, os grupos Fon e Ioruba. Na Índia, Os sistemas
de crenças dos Silks e Sufis, e ainda o detalhamento das culturas indígenas
mexicanas e canadenses. Merece destaque a extensa alusão relativa ao pós -
morte tibetano.
Seguindo a tradição junguiana , Sukie aprofunda uma das
preocupações centrais do Ocidente , o medo seguido da apreensão que lhe é
inerente: saber o que acontece ao homem após o derradeiro momento de sua
morte física. O enfoque se dá por meio de uma relação harmoniosa: Vida I
Morte . Segundo a autora, o resultado desse trabalho mais que uma especulação de
ordem intelectual sobre a natureza da morte , é o que acontece além dela ;
não se descreve projeções de índole religiosa e o conforto terapêutico , mas
a par disso, as imagens e conceitos reais e cotidianas do pós - morte que se
entrelaçam nos planos vivos da realidade própria às culturas de todo o
mundo.
A pesquisa centralizada no INSTITUTE for the STUDY of the
Afterdeath , o qual Sukie é fundadora e diretora, revela um estudo
multidisciplinar e transcultural, material necessário para que a pergunta
central do livro viesse a ser respondida: - " 0 que acontece conosco depois
da morte ? " Se o homem contemporâneo permitiu que sua morte se tornasse
asséptica e desprovida de sentido, as culturas chamadas " tradicionais "
preservaram códigos e sabedorias onde esta jornada se faz no sentido de urna
nova integração.
Entrevista com
Sukie Miller
Por que você escreveu este
livro ?
Sukie - Dois motivos me levaram a escreve-lo.
Quando eu era pequena meu pai era cirurgião e naquela época muitos de seus
pacientes morriam. Quando eu lhe perguntava para onde eles tinham ido me
dizia que tinham ido para algum outro Lugar . E eu acreditava porque quando
se é criança acredita-se no que os pais nos falam sem questionar
muito. Depois de adulta, dois amigos meus faleceram. Eles tinham algumas
coisas em comum corno a mesma idade e educação semelhante. Um morreu muito
bem e outro muito mal. Tentei ver as diferenças . Aquele que morreu bem
acreditava em algum outro lugar após a morte. Tento trazer a cultura
americana, a cultura ocidental alguns meios para entender este outro
lugar.
Qual a grande
diferença entre a cultura oriental e a ocidental ?
S - Em termos de diferenças o
que encontrei foi muito excitante. Principalmente sobre as tradições, costumes, rituais, transdisciplinariedade . Todos os diferentes sistemas que
pesquisei parecem ter quatro estágios pelos quais passamos após morrermos .
O primeiro estagio é o da espera, o segundo é o do julgamento , o terceiro é o
estagio das possibilidades e o quarto é o do retorno. Para algumas pessoas
isto tudo fica reduzido a céu e inferno. O pós - morte é encarado, em
todas as culturas que tem esta concepção, como uma jornada e a alma ou espírito
é o viajante, como o chamo no livro. As culturas mais elaboradas apresentam
os quatro estágios, ao menos pelo dois dos quatro estágios.
Se falarmos sobre retorno no judaísmo vamos
encontrar que dizem que quando o Messias vier, todos renascerão e renascerão
todos juntos; mais uma vez encontramos o retorno.
Na Índia eles crêem que
as pessoas renascem cada um individualmente, não se sabe onde ou como, mas
de alguma maneira.
Na África acreditam que renascerão na mesma família e
com o mesmo sexo e será a mesma pessoa. Então, quando a avó falece e no ano
seguinte nasce uma menina, nesta família, parecida com a avó , eles acreditam que é a reencarnação da avó.
Cada um destes sistemas acredita no
retorno de maneira diferente, com variações, mas é essencialmente a mesma
coisa.
Quando descobri estas coisas fiquei um pouco chocada, pois eu não
as esperava. A proposta original do meu livro era diferente, totalmente
diferente. Quando comecei a fazer minha pesquisa estas coisas emergiram.
E sobre o Brasil, o que você descobriu ?
S - Comecei minha pesquisa no Brasil e o Brasil era
muito importante. Me parecia que a vida aqui não é simbólica, é real,
concreta. As pessoas aqui não pensam simbolicamente, mas concretamente . Vou
lhe exemplificar a diferença entre Brasil e Estados Unidos. Um dia desses
fui jantar fora em um restaurante
muito bom daqui. Uma mulher parou perto da
minha mesa e me disse : " Sonhei com você essa noite." Eu disse: " Como sonhou
comigo ? Sonhou com uma americana que você não conhece ? " E ela me respondeu: '' Não, sonhei com você . " E saiu . Ela estava bem vestida
e em um restaurante muito caro. Não era nenhuma louca. E ela me disse isto com a
mesma energia e naturalidade de alguém , que se fosse na América por um acaso,
se aproximasse da sua mesa e dissesse: - Como você é bonita." Lá eles jamais
acreditariam, e se acreditassem , nunca diriam que sonharam com alguém que estão
encontrando em um restaurante pela primeira vez. Seria simbólico e não real,
aqui é real, natural. Por isso o Brasil é uma fonte muito importante para minha
pesquisa.
Outro exemplo: quando comecei a fazer exercícios nos workshops
aqui no Brasil eu tornava muito cuidado porque as pessoas não são
simbólicas. E as pessoas aqui se sentem bem acreditando em uma conexão, tudo
está interligado. Na América, nos workshops você espera, que depois de
trabalhar muito durante cinco dias, conseguir que as pessoas comecem a ver a
interligação entre elas. Aqui no Brasil isto é natural. Na América, no
inicio de um workshop percebo que as pessoas andam , mas que estão muito,
muito distantes fisicamente. Peço que se aproximem e elas dão um passo a
frente. Continuam andando e peço novamente para se aproximarem e dão mais um
passo. Muito devagar consigo que se toquem. Dei o mesmo exercício aqui no
Brasil; pedi para que se aproximassem e logo na primeira vez já estavam muito
próximos, se tocando, todos já encontraram o som comum ao grupo. Isto é o que eu
espero nos Estados Unidos no final do workshop e levo de quatro a cinco dias
para conseguir. Aqui é o começo, aqui meu trabalho é de separá-los, achar suas
vidas individuais.
E
sobre o nosso sistema de pós - morte ?
S - É um dos mais ricos, é também um sistema
que chamo de jornada, vê o pós - morte desta maneira. Em outros sistemas sua
vida deixada para trás é revista em um período de quarenta e nove dias. Aqui
o pós - morte é uma jornada em você e sobre você . E um sistema onde o trabalho
continua após a morte, em outros sistemas o trabalho é agora , enquanto você
está vivo.
E a alma ?
S -
Uma das coisas para a qual dediquei grande parte do tempo, neste livro, foi tentar achar uma palavra para usar que representasse a palavra alma,
espírito, akba, gunots, mas cada sistema tem uma palavra para isto. Então,
no livro, eu chamo de viajante. Aquela parte de nós mesmos que faz a viagem
após a morte. Pode chamar como quiser, mas é ela que empreende esta
viagem.
E a idéia na Índia
?
S - É a idéia mais romântica. Lá, por causa da
dominação inglesa, há grandes círculos (rotatórias) de trafego. Todas as
ruas saem destes círculos. Eu costumava ficar observando estas rotatórias e
lá encontrava Mercedes, bicicletas, carro de boi, mulas com mercadorias.
Tudo junto naquela praça no mesmo momento. São séculos de história presentes
no mesmo momento. Na América quando o carro esta velho ele é substituído. Não se
vê estas coisas. É a mesma coisa na Índia com as almas. Esta todo mundo lá o
tempo todo e eles retornam, retornam e retornam. Quando nos saímos da Índia
paramos no aeroporto de Heathrow, em Londres. É um dos mais movimentados
aeroportos do mundo. Tive a nítida sensação de que algo estava errado, disse à
Edmundo, que me acompanhavaque pegasse o jornal e procurasse alguma noticia
porque algo estava errado. Tinha a sensação que o aeroporto estava vazio
e era meio - dia. Olhava as pessoas e tudo parecia normal. Nada havia
acontecido. A minha sensação do aeroporto vazio era porque eu estava vindo
da Índia, em uma vivência com muitas pessoas e vários espíritos antigos e
novos, tudo convivendo ao mesmo tempo. E no aeroporto os momentos da história
não se encontravam, só existia o presente. Por isso a sensação de vazio.
Consegui perceber, então que o aeroporto estava como sempre
esteve.
Que culturas
você chama de tradicionais e o que isto significa?
S - Culturas tradicionais são
aquelas que se mantiveram através dos tempos e perduraram por várias
gerações. Não estava interessada em pessoas que tiveram uma revelação, mas
em grupos com culturas e tradições mais antigas. Na América tivemos aquele
grupo que se suicidou, todos juntos chamado Portão do Paraíso, mas isto foi
algo que surgiu recentemente e não foi para isto que dirigi minha pesquisa.
Isto não é tradicional. Se este grupo tivesse existido por cinco ou seis
gerações eu os estudaria, pois seriam tradicionais. Mas, eram apenas as idéias de um homem.
Você encontrou em sua
pesquisa algo relacionado a energia cósmica e sua relação com nosso
crescimento ?
S - Todos os sistemas que eu estudei são
sistemas evolutivos, todos são direcionados para a evolução e crescimento da
humanidade. Energia cósmica é um conceito ocidental, logo não é encontrada
através do mundo. E eu mesmo não o entendo, é um mistério. Com
pacientes não há caminhos certos ou errados. 0 que eles crêem esta certo para eles e ponto, no que diz respeito ao pós - morte. Meu trabalho é fazer
as pessoas descobrirem e acreditarem em algo. Não há um só caminho, são
inúmeros. Outro objetivo é facilitar que se fale mais sobre a morte e o pós
- morte, conversar sobre. E como terapeuta de pacientes terminais eu os
incentivo a isto, mas não há certo ou errado.
0 meu trabalho com o
livro foi fornecer urna linguagem para que as pessoas possam falar sobre
isto. Por isso, no final do livro você encontrará um questionário com
questões sobre o pós - morte. Não há gabarito, pois as respostas são
absolutamente individuais. Ninguém quer alguém dizendo como levar sua vida e
também não quer alguém dirigindo ou dizendo como encarar sua
morte.
Como os
americanos encaram o pós - morte ?
S - Bem , os americanos tem uma visão confortável da
morte. Temos asilos integrados ao sistema de saúde e economicamente as
coisas são muito boas. Toda cidade, toda pequena cidade, tem um hospital.
Estes são muito bem equipados e pode-se optar se quer ou não visitas, quem
quer receber e quem deseja ter ao seu lado no momento da morte. Mas o pós -
morte não existe ou não pensamos nele. Estamos mal preparados para enfrentar
o pós - morte. Ao contrario de vocês aqui no Brasil. Os velhos não contam
com a infra estrutura americana e nem confiam no sistema de saúde. Não podem
depender dele.
Mas no caso do pós - morte, todo mundo crê em algo, sabe
que algo vai acontecer e a grande maioria não acredita que tudo se encerra com a
morte. Acreditam no pós - morte. Um sistema acaba sendo o contrario do
outro.
Eu acho que o tabu de discutir a morte e o pós - morte deve ser
quebrado. Nós falamos sobre vários assuntos quotidianamente , mas não
conseguirmos falar sobre o pós - morte. Enfatizo que não ha uma linguagem
para falarmos sobre este assunto e isto é importante. Não há padrões de
referencia para as pessoas conversarem, com linguagem, palavras,conceitos comuns
para que se estabeleça a conversa. A compreensão dos quatro estágios do pós -
morte ( espera, julgamento, possibilidades e retorno) faz parte da linguagem.
Temos que saber sobre o que falamos.
O objetivo do livro é justamente
estabelecer uma linguagem, parâmetros para que se possa conversar sobre. Não se
fala sobre o pós - morte porque não há, não existe esta linguagem. As pessoas
acham que não é adequado falar sobre a morte. Nós nunca paramos para
conversar, para pensar sobre a morte e pós - morte. Acho que este livro pode
ajudar a todos os profissionais que lidam com o ser humano. O questionário
no final do livro foi elaborado para que possamos dar aos nossos pacientes
para levarem para casa e para lhe trazerem depois. Teremos claramente, nas
mãos, suas crenças no pós - morte. E a partir dai poderão criar uma
linguagem para conversar sobre o assunto. Todos podem e devem fazer uso
deste questionário.
A mensagem final deste Livro é de esperança uma vez
que não há porque temer ou se desesperar diante de um fato que, apesar de
inevitável, esta longe de ser desprovido de significados, tanto para quem
parte como para os que ficam.
Fonte: Revista Catharsis -
www.revistapsicologia.com.br