Quase
todos os brasileiros conhecem a rima “Agosto, mês do desgosto”, ou “Agosto, o
mês da dor e tristeza”. Os idosos, os pobres e aqueles nascidos no interior
tendem a levar os provérbios mais a sério e deixá-lo guiar seu comportamento,
dizem sociólogos, mas não é difícil encontrar pessoas que acreditam neles em
todas as classes econômicas, raciais e etárias.
“Não é apenas um mito, é sério”, jura
Vanildo Mello, 37 anos, um comerciante de produtos esportivos. “Não é um mês
para sair ou viajar, mas para ficar em casa, um mês em que os negócios tendem a
ir mal. Se algo de ruim pode acontecer, é mais provável que aconteça em agosto
do que em qualquer outro mês”.
Mesmo no Rio de Janeiro, uma cidade
que se orgulha por sua sofisticação, as rotinas diárias podem ser sutilmente
afetadas. Alguns escritores se recusam a permitir que seus livros sejam
publicados em agosto, certos músicos conhecidos não fazem shows, as vendas de
amuletos crescem e as apostas com combinações que usam o números 8 e 13
diminuem.
Em algumas partes deste país de 175
milhões de habitantes, também é comum pedir a bênção de padres em igrejas
católicas para afastar a má sorte. Para limitar as chances de algo dar errado,
algumas pessoas também visitam templos devotados à macumba e ao candomblé, o
equivalente brasileiro do vodu, para terem seus corpos “fechados” ao “mau
olhado” ou fazer oferendas a deuses que podem protegê-las.
Não surpreendentemente, o tema também
invadiu a literatura brasileira e a música popular. Sambas já foram escritos com
referências à maldição de agosto, e os romances que falam sobre a questão
incluem “Agosto”, de Rubem Fonseca e “Mês de Cães Danados”, de Moacyr Scliar,
cujo título é uma referência à crença popular de que até os animais tendem a se
comportar de forma estranha durante agosto.
“As pessoas precisam de coisas para
acreditar e temer, seja em Deus ou no diabo”, afirmou Scliar. “Essa bipolaridade
é universal, mas no Brasil ela é especialmente acentuada devido ao nosso senso
de fatalismo em expressões como ‘Se Deus quiser’ ou ‘O diabo está dando as
cartas’”.
O Brasil não é o único país da
América Latina no qual as superstições crescem em agosto. Em uma ampla pesquisa
do folclore argentino, por exemplo, Rafael Jijena Suarez escreveu sobre a crença
de que as pessoas “não devem lavar o cabelo durante o mês de agosto porque chama
a morte”.
Mas pelo fato de a própria história
do Brasil ser marcada por eventos, especialmente na última geração, que parecem
validar a maldição, a crença é forte no País. No dia 24 de agosto de 1954, por
exemplo, o presidente Getúlio Vargas, um amado populista conhecido como “O Pai
dos Pobres”, cometeu suicídio para evitar a desgraça em um escândalo político.
Então, no dia 25 de agosto de 1961, o
presidente Jânio Quadros renunciou, iniciando um ciclo de instabilidade política
que acabou com as forças armadas tomando o poder em 1964 e mergulhando o País em
20 anos de ditadura. Além disso, Juscelino Kubitschek, um ex-presidente e líder
da oposição ao domínio militar, morreu em um acidente de carro em 22 de agosto
de 1976.
“Se você conversa com políticos, eles
vão mencionar esses fatos como prova” de que agosto é um mês amaldiçoado, contou
Scliar em uma entrevista por telefone. “Não há dúvida de que você pode apontar
uma série de eventos no calendário, mas alguém realmente precisa fazer um estudo
para ver se essa impressão corresponde com a realidade, se realmente há uma
superabundância de má sorte em agosto”.
Como se para confirmar a crença, no
ano passado, os brasileiros enfrentaram um mês de agosto particularmente
trágico. Primeiro, Sérgio Vieira de Mello, o chefe da missão da ONU no Iraque e
considerado um provável candidato ao cargo de secretário-geral, morreu em um
ataque terrorista em Bagdá. Então um foguete de teste explodiu em uma base de
lançamento no Amazonas, matando cientistas e técnicos e representando um golpe
ao nascente programa espacial do Brasil.
Apesar de o mês ter mal começado, os
brasileiros já se preparam para o pior. Não apenas este ano é o 50º aniversário
do suicídio de Vargas, mas o calendário também contém uma sexta-feira, 13,
quando muitas pessoas usam branco para afastar os espíritos do mal.
Mas nenhuma outra data, especialmente
no nordeste do País, é considerada mais sinistra que 24 de agosto, Dia de São
Bartolomeu. Como diz a crença popular, essa é “a data temida/quando o diabo
corre solto/e realiza atos terríveis”, nas palavras do poeta folclórico Leandro
Gomes de Barros.
Nos templos de macumba e candomblé, o
dia 24 de agosto é o dia de Exu, o mais malevolente dos espíritos que
controlariam o destino humano. Talvez seja por isso que, na última semana do
mês, alguns brasileiros se vêem com os nervos à flor da pele.
“Todo dia que passa sem algum
desastre, eu fico mais e mais tenso, esperando pelo pior”, contou Jaci Medeiros,
68 anos, ex-funcionária de uma fábrica que nasceu no dia 2 de agosto, mas teme o
mês porque perdeu seu marido e irmão nele. “Só quando chega setembro eu começo a
relaxar novamente”.
Fonte:
Último Segundo