Quem vai a
um velório sem consciência de que aquele é um lugar de muito respeito, de oração
sentida e de bons pensamentos, não imagina o mal que pode estar causando ao
morto. Sua falta de educação e sua insensibilidade são dolorosas a quem se
despede deste mundo.
Em primeiro lugar, o espírito que deixa o
corpo entra imediatamente num ciclo de perturbação, para se desligar do corpo
que não lhe serve mais, o que pode demorar poucas horas, meses ou até anos,
variando de acordo com seu adiantamento moral. Nessa passagem, o espírito
prepara-se para longo sono, do qual despertará sem noção de tempo e espaço,
até se adaptar à nova dimensão. Será como um mergulhador que retorna numa cápsula
do fundo do mar para a quarentena de adaptação a seu ambiente natural.
Assim, num momento tão crucial, ter em
sua volta pessoas que, a título de dele se despedir, fazem do cemitério uma
esquina a mais do Café Central, discutindo política, negócios e futebol,
quando não coisas piores, obviamente lhe tornará mais penosa a travessia entre
dois mundos. Mais do que nunca, o espírito precisa de vibrações de harmonia,
que só se formam através da prece sincera e de ondas mentais positivas.
Ensina O Livro dos Espíritos que a separação
não se opera instantaneamente. A alma se liberta gradualmente e não escapa
como um pássaro cativo que, de repente, ganhasse a liberdade. Esferas material
e espiritual se tocam e se confundem e o espírito se liberta, pouco a pouco,
dos laços que o prendem ao corpo. Os laços se desatam, não se quebram. É por
isso que desenlace é sinônimo de falecimento. Em vida, o espírito fica preso
ao corpo através do seu envoltório semi-material ou perispírito. A morte é a
destruição somente do corpo e não do perispírito.
A perturbação que se segue à morte nada
tem de dolorosa para o justo, aquele que esteve na Terra sintonizado com o Céu,
errando por ser humano, mas decidido na prática sistemática do bem. Para os
que viveram presos ao egoísmo, escravos dos vícios e ambições mundanas, a
morte é uma noite, cheia de horrores, ansiedades e angústias. Nos casos de
morte coletiva, todos os que perecem ao mesmo tempo nem sempre se revêem. Na
perturbação comum, cada qual vai para seu lado ou se preocupa apenas com
aqueles que lhe interessam.
No seu instrutivo livro Quem tem medo da
morte?, Richard Simonetti considera que basicamente o espírito permanece ligado
ao corpo enquanto lhe são muito fortes as impressões da existência física.
Os materialistas, que fazem da jornada terrena um fim em si, que não cogitam
objetivos superiores, escravos de paixões, ficam retidos por muito tempo, até
que a impregnação animalizada de que se revestem seja reduzida a níveis
compatíveis com o desligamento.
Certamente os benfeitores espirituais
podem fazer de imediato o desligamento, o que não é aconselhável, porquanto o
falecido teria dificuldades maiores para se reajustar às realidades
espirituais. O que aparentemente sugere castigo para quem não viveu existência
condizente com os princípios cristãos, é na verdade misericórdia divina. Não
obstante o constrangimento e as sensações desagradáveis que venha a
enfrentar, na contemplação de seus despojos carnais em decomposição, tal
circunstância é menos traumatizante do que o desligamento precipitado.
O burburinho das conversas vazias e dos
comentários irresponsáveis, assim como os desvarios dos inconformados e o
desequilíbrio dos descontrolados, repercutem negativamente na percepção de
quem está indo embora. Quem conhece os problemas que envolvem o viajor tem o
indeclinável dever de contribuir para que os velórios se transformem em
ambientes de compostura e serenidade. Richard Simonetti ensina-nos esse caminho:
– Sejamos comedidos. Cultivemos o silêncio,
conversando, se necessário, mas em voz baixa, de forma edificante. Falemos no
morto com discrição, evitando pressioná-lo com lembranças e emoções passíveis
de perturbá-lo, principalmente se forem trágicas as circunstâncias do seu
falecimento. E oremos muito em seu benefício. Se não conseguirmos manter
semelhante comportamento, melhor será que nos retiremos, evitando engrossar o
barulhento coro de vozes e vibrações desrespeitosas, que tanto atrapalham o
morto.
Como quem não ouve conselho ouve coitado,
fica aqui a receita da lógica e da razão, porque recebemos exatamente o que
oferecemos aos nossos semelhantes. Lembremo-nos de que, mais dia menos dia, também
nos encontraremos de pés juntos, deitados numa urna mortuária e ainda atados
às impressões da vida física. Desejaremos, então, que nos respeitem a memória
e não conturbem nosso desligamento, amparando-nos nos valores inestimáveis do
silêncio e da oração, da tranqüilidade e da compreensão, a fim de
atravessarmos com segurança, conforto e rapidez, os umbrais da Vida Eterna. E
pela lei de causa e efeito, vigente em tudo no Universo, teremos em nós o que
fizemos aos outros.
Jávier Godinho - Diário da Manhã