Tem gente
que passa oito horas do dia atrás de uma mesa de escritório e é feliz. No
entanto, há quem tenha muito mais razões para se sentir assim. Existem profissões
que fazem a maioria dos mortais roerem as unhas de inveja. Quem não gostaria de
trabalhar em um lugar paradisíaco, apenas distraindo os outros, sendo
"obrigado" a jogar tênis ou cavalgar? E de ganhar dinheiro comendo
nos melhores restaurantes? Ou, ainda, ter o "desprazer" de viajar pelo
mundo, conhecendo lugares belíssimos, só para deixar os leitores com água na
boca? Bom, né? Mas como todo prazer tem seu preço, no quesito trabalho – e
principalmente nele – não poderia ser diferente.
O trabalho de Fernando Tavares é,
literalmente, um lazer. Não necessariamente o dele, mas certamente o dos hóspedes
do Club Mediterranée. Gentil organizador, mais conhecido como GO, ele tem a árdua
tarefa de entreter os hóspedes. "Fico à disposição deles: se querem
jogar tênis, vamos; outros preferem mergulhar, andar a cavalo… faço o que
eles pedirem", explica. Chegar lá não foi difícil. Dominando três
idiomas e com aptidão para vários esportes, Fernando só teve que se acostumar
com a rotina imposta pelo Club. "Temos que acordar muito cedo, mas dormimos
tarde. Além disso, sinto um pouco a falta da família, mas nada que não dê
para encarar", garante. Tirando a solidão, o resto é pura diversão. Para
ele, o melhor da profissão é conhecer novas pessoas e praticar os idiomas:
"Os hóspedes são sempre simpáticos e ainda dá pra aprender uma língua
nova".
Dizem que a cerveja é a paixão nacional
e os números das indústrias de bebidas estão aí para comprovar. No entanto,
para que a lourinha chegue até o consumidor "redondinha", é necessário
que alguém faça o test-drive, quer dizer, beba profissionalmente para garantir
se ela está nas condições ideais. Esta foi a triste sina de Curt Zatrow, um
brasileiro que, como bom descendente de alemães, gosta – e muito – de uma
cervejinha. "Comecei meio que por acaso, aprendendo com o meu pai que era
mestre cervejeiro. Daí fiz um curso de mestre cervejeiro e degustador na
Alemanha e vim trabalhar na fábrica da Antarctica", conta. Sua rotina é
dolorosa: supervisionar a produção da cerveja e, ao final do expediente, bebê-la.
"Bebo cerca de um litro e meio por dia profissionalmente. Depois bebo com
os amigos", diz ele, afirmando que a maior recompensa é escutar os comentários
de que a cerveja está gostosa. Segundo Curt, o segredo de um bom degustador está
no paladar e no olfato. "Não fumar, evitar pimenta e ter menos de 50 anos
também ajuda bastante", ensina, mesmo já tendo passado da idade. "É
difícil perder o dom", diverte-se.
O dom da música sempre esteve com
Negralha, requisitado DJ das principais festas do Rio de Janeiro e responsável
pelas bases eletrônicas e remixes do grupo O Rappa. Desde os 14 anos, ele já
animava festinhas de colégio, batizados e aniversários e, em pouco tempo,
estava tocando nas pistas do centro de São Paulo. "Foi tudo muito rápido
e, por tocar em vários lugares, acabei ficando conhecido na cidade",
afirma. De lá para a Cidade Maravilhosa foi um pulo. De tanto tocar nas
festinhas alternativas da cidade, quando viu já morava nela. "Eu também
conheci minha esposa lá e uni o útil ao agradável. Só é complicado
administrar o nosso tempo, porque ela trabalha de dia, e eu, de noite",
lamenta. Mas nem isso é capaz de fazê-lo desistir. "Respiro música o
tempo inteiro e gosto muito do que faço. Criar novas batidas, novos ritmos e
ver o povo dançando uma coisa que foi criada por mim é maravilhoso, não há
preço que pague, embora eu não possa reclamar do meu salário. O que eu faço
é mais que música, é arte", orgulha-se.
Foi numa viagem à Europa que a ex-socióloga
e hoje jornalista Claudia Versiani descobriu que escrever sobre turismo era uma
deliciosa forma de ganhar dinheiro. "Escrevi sobre o Marrocos e uma amiga
jornalista gostou tanto do texto que o publicou. Pouco tempo depois eu estava
trabalhando em outro jornal, como editora de turismo", conta, orgulhosa. E
a "dureza" dessa profissão proporcionou a ela conhecer nada mais,
nada menos, do que 24 países, além de todas as regiões do Brasil. "A
viagem mais emocionante foi pra África do Sul, onde eu fiz um safári tão
selvagem que me sentia um bicho", recorda. O empenho pelo trabalho é tanto
que até as viagens exclusivamente de lazer remetem à profissão: "Meu
trabalho dá tanto prazer que qualquer viagem acaba tendo um fundo de
trabalho". Só que viajar também quer dizer mais tempo longe da família,
o que segundo Claudia é o principal obstáculo. "Eu poderia ter uma
carreira mais normal, mas gosto muito do que faço e administro bem a distância
dos familiares. Se tivesse que escolher de novo, faria igualzinho",
finaliza.
Escolher. Essa é a tarefa do também
jornalista Luciano Ribeiro. Neste caso, o que ele tem que escolher não são países
a conhecer, mas os mais finos e atraentes pratos dos melhores restaurantes do
Rio de Janeiro. "Quando eu entrei na faculdade, queria ser crítico de música.
Afinal de contas, aos 22 anos é difícil alguém se interessar por pato confit,
trufas brancas ou foie gras fresco", ironiza. Curiosamente, aos 25 anos,
boa parte do seu salário era gasta em, além dos CD's, restaurantes.
"Fazia a seção de gastronomia de um jornal de bairros e depois fui
convidado para escrever em um grande jornal", comenta. Para ele, as
principais vantagens são as viagens que acontecem com certa freqüência e,
claro, a oportunidade de provar alguns dos pratos mais interessantes. "Além
disso, degusto vinhos que não teria oportunidade caso não fosse crítico de
gastronomia", revela. Agora, chato mesmo é quando a comida não agrada.
"Se o prato é ruim, a matéria não sai, não tem como. Pago a conta e vou
embora. Ah, e também alerto o leitor para os defeitos do lugar", garante
ele, que já encontrou soluções para administrar as gordurinhas de tantas
farras gastronômicas. "Não tenho que ir até o final de cada refeição.
Além disso, procuro correr na praia três vezes por semana", diz.
Agora, nada de colocar a cabeça sobre
a mesa e pensar que a vida poderia ser melhor. Seja degustando uma cerveja
profissionalmente, ou bebendo com os amigos após o expediente, depois de um dia
inteiro de batalha, o que importa é a satisfação de trabalhar na carreira que
você escolheu, seja ela qual for.