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   Quando a Morte Bate à Porta - Parte I

        Quando a morte bate à nossa porta, anunciando os últimos suspiros, e depois que nós demos as últimas olhadas no mundo tal como o conhecemos, o que vai acontecer?

        Bem, desde a nossa perspectiva, há naturalmente os ritos e os rituais, complexos e envolventes, que devem ser respeitados em todas as culturas. Estes rituais são complexos e envolventes precisamente porque a morte sempre esteve e sempre estará conosco. Desde o primeiro momento de vida, a morte é uma certeza absoluta. Em Farsi temos um ditado que diz, sobre a morte, que  "Ela é um camelo que dorme atrás de todas as portas."

        No Iran, um país predominante muçulmano shiita, estes ritos e rituais são tão complicados como é possível imaginar-se.  Eles cobrem desde os maneirismos dos membros da família junto ao leito de morte, aos os deveres dos enlutados até um ano depois da morte. A maioria destes rituais estão relacionados de alguma forma aos deveres de todo bom muçulmano: rezar cinco vezes ao dia (Namaz); jejuar durante o mês de Ramadan (Roozeh); e pagar as taxas religiosas às mesquitas (Khoms e Zakaat). Também, para os muçulmanos que têm condições financeiras de fazê-lo, devem viajar pelo menos uma vez a Mecca.

        Como é inevitável que o morto provavelmente não era lá exatamente um bom praticante da religião, existem algumas escapatórias que ajudam a diminuir a ira de Alá contra o morto no outro mundo. Massoume Price, um antropologista social da London University, observa que "Muitos dos rituais praticados no tempo da morte servem para compensar quaisquer defeitos  relacionados aos [deveres de um muçulmano] que o morto não praticou durante a vida. Os parentes recitam a oração dos mortos (Namaaz-e meyyef) e pedem a Alá que perdoe o falecido. Os mullahs [sacerdotes muçulmanos] são pagos para fazerem orações que o falecido pode ter esquecido de fazer, e também para jejuar por eles. Todos os impostos religiosos atrasados serão pagos para garantir que o morto tenha uma passagem tranqüila para o outro mundo."

        O corpo do morto deve ser enterrado dentro de 24 horas depois da morte. Primeiro, de acordo com a tradição islâmica, o morto deve ser lavado por um muçulmano do mesmo sexo. Todo o corpo, incluindo o cabelo, é lavado, e as unhas são limpas e cortadas curtas. Depois que o corpo é lavado, ele é submetido a outras limpezas cerimoniais, nas quais três soluções líquidas feitas com Sedr (uma antiga substância para limpeza), Kafoor (cânfor), e água pura são usadas na seguinte ordem: primeiro as mãos são lavadas, depois os genitais, depois a cabeça, o lado direito e o lado esquerdo do corpo, e eventualmente o corpo inteiro é suavemente esfregado com a solução. Três lavagens são feitas com cada solução, de forma que ao todo, nove limpezas são feitas. No fim, todas as aberturas do corpo como os ouvidos e as narinas são tapados com bolas de algodão.  São feitas orações específicas neste ponto, e, para terminar, a pessoa que lavou o corpo (Mordeh shoor) pede a Alá várias vezes que perdoe os pecados que o morto possa ter cometido. Durante toda esta cerimônia, o corpo deve estar virado para Mecca (Ghebleh).

        Depois de lavado, o corpo é perfumado com cânfor (que também era usado pelos Zoroastros, no Iran pré-muçulmano). Depois de lavado, secado e purificado, o corpo é colocado em um pedaço grande de tecido de algodão chamado Kafan. Peças menores do Kafan são usadas para envolver a parte inferior das pernas, cobrir os olhos, cobrir do abdômen até os joelhos, e os seios se a pessoa morta for uma mulher. Então o corpo inteiro é coberto com o Kafan. As duas extremidades são amarradas com cordas antes do corpo ser colocado no caixão. O Kafan não deve ser costurado, e é um pecado fazê-lo. Depois que o morto é envolto no Kafan, dois ou três homens carregam o corpo ao caixão, mas não o colocam aí imediatamente. Antes, o corpo é colocado no chão, levantado e posto de volta no chão três vezes, e depois é colocado no caixão; isto simboliza a recusa do morto em deixar esta vida terrena para sempre. Durante todo este processo, versos do Corão são recitados, enquanto a cada intervalo alguém grita, "Não existe outro deus além de Alá" (La ellaha ell Allah). Tocar o caixão e ajudar a carregá-lo (por pelo menos sete passos) são considerados uma bênção. (Esta explicação deve esclarecer as cenas mostradas ao redor do mundo durante o funeral do Ayatollah Khomeini, durante o qual multidões histéricas tentando tocar e carregar o caixão do Iman morto quase fizeram que o corpo envolto no Kafan caísse do caixão).

        Os procedimentos para o enterro (dafn) também seguem regulamentos estritos. O corpo é tirado do caixão, e colocado no chão; ele então é levantado e baixado ao chão três vezes, antes de ser colocado na cova. O corpo e a cova devem estar virados para Mecca. A sepultura deve ser cavada por um coveiro muçulmano se o morto era muçulmano (para os não muçulmanos, se há regras, o autor desconhece). Uma vez colocado na sepultura, o corpo é virado para o lado direito, voltado para Mecca, e um tijolo e um mosaico (Khesht-e khaam) são colocados sob a cabeça. O Kafan cobrindo o rosto é puxado para um lado de maneira a deixar a face descoberta, antes que a sepultura seja coberta. As pedras da sepultura não devem conter nenhuma inscrição que não seja de versos do Corão, e água de rosas é borrifada sobre a sepultura. Também importante após o enterro, se for durante o dia, é que os participantes almocem juntos logo após o enterro, e se for durante a noite, que jantem juntos. Isto é feito para que o morto não tenha que fazer a sua primeira "refeição" após a morte sozinho. Nesta ocasião os ricos, ou os membros das famílias que têm meios de fazer isso, dão comida aos pobres (Nasri), alimentos tais como a Halvaa (farinha caramelizada), e estas doações supostamente elevam o status do morto no outro mundo. 

       
No dia seguinte, os membros da família enlutada dão dinheiro e doces aos pobres junto à sepultura, e também jogam água de rosas na sepultura. Nos rituais zoroástricos que pré-dataram o Islam, os três primeiros dias depois da morte eram muito importantes, já que este era considerado o período durante o qual a alma estava mais suscetível aos maus espíritos. As orações eram consideradas necessárias para afastar os maus espíritos que estavam tentando agarrar as almas inocentes e levá-las de volta ao reino de escuridão de onde eles tinham vindo. Acredita-se que uma reminiscência desta era zoroástrica é que no Iran pós–Islâmico o serviço memorial (Khatm) é feito três dias depois da morte.  Estes serviços memoriais são segregados por gênero, com os homens sentados juntos, e as mulheres juntas, cada grupo separado do outro. Geralmente um sacerdote oficia este serviço, recitando do Corão, memorializando o falecido, e geralmente fazendo repetidas referências ao Imam Ali e ao Imam Housayn. As referências a estas duas veneráveis figuras do Isman Shiita (ambos morreram de forma brutal) servem o propósito de glorificar o martírio, um aspecto importante da tradição Shiita. Geralmente estas referências resultam em uma intensificação do choro dos participantes. No centro do serviço memorial está uma foto ou pintura grande do morto, colocada entre dois arranjos florais.

 

                Revista Espaço Acadêmico Nº 30 Novembro/2003






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