O mestre de cerimônias anunciou.
Chegara a hora. Da primeira fila, medi a distância que me separava do palco.
Exatos 86 anos luz. E tinha a escada. Cinco degraus que subi como se fossem mil.
Para chegar ao topo do mundo, que girava. Com as quatro mãos geladas de suor,
me agarrei ao microfone como o pintor se agarra ao pincel quando a escada cai.
Microfone? Para que voz? Minha língua, que já ocupava quatro terços de uma
boca seca de dar dó, competia com a
garganta transformada em nó.
Será que percebiam meu coração bater no
lóbulo da orelha? Ou o barulho do papel que sacudia em minha mão? Os joelhos só
pararam de tremer quando as cãibras começaram. Gaguejando dissonante por entre
lábios soltos entre bochechas espasmódicas, cumprimentei a platéia. E deu um
branco total. O terror que assola 108,47% de uma humanidade que vira uma poça
no palco quanto tem que falar em público.
Já passei por tudo isso. Não ao mesmo
tempo, mas pelo menos mais de um sintoma por vez. Em minha próxima palestra meu
cérebro pode me surpreender com mais alguns, filhotes do inimigo número dois
de quem fala em público: o medo. O número um, normalmente aceito como
politicamente correto, é o sentimento de auto-piedade sussurrando
que você não vai conseguir. Vai.
Se eu, que sou palestrante profissional e
treino pessoas para falar em público, me borro todo, é razoável que você
também tenha seus receios. Eliminá-los? Nem pensar. Direcioná-los? É o
segredo. Cavalos mansos são tão fortes quanto os bravios, só aprenderam a
direcionar sua energia. O segredo de falar em público está em direcionar o
medo, a ira, o estresse. Não é nos treinos que o atleta bate seu recorde. É
na hora do "vamover", cercado pelo delírio da galera, com adrenalina
espirrando pelos poros. Aí ele consegue se superar.
Para falar, é preciso preparar. Pesquisar
a audiência, o tema, os objetivos. Escrever, rabiscar, treinar, filmar, gravar,
tudo vale. Nem pense em decorar os ipsis e litteris de sua apresentação. O
branco pega você na primeira esquina. É melhor criar um esqueleto de tópicos
simples, como as colas que fazia na escola, e o resto acontecer. Transforme os tópicos
em apresentação para projeção ou pequenos cartões, tirados do bolso com
elegância, sem misturar. De cartolina, para não denunciar o tremor.
Entre em cena batendo, não se
desculpando. Sorria até pelas axilas, se não for velório. Plante pés
separados por dois pés e encare uma platéia de ninguém atrás da última
fila. Os da frente pensarão que o público é maior e você evitará algum
olhar carrancudo. Só depois explore na audiência uma feição benigna. Uma fã,
um subordinado bajulador, ou alguém que durma com a cabeça balançando
"sim". Isso criará confiança.
7% de sua comunicação será verbal. 38%
não-verbal e 55% a simbólica, dizem. A maior porção será aquilo que o público
efetivamente ouve, que é diferente do que você diz, já que nem todos irão
pensar o mesmo que você pensou quando acharem que você disse aquilo que não
tinha a intenção de dizer. É simples assim. Na dúvida entre o verbal e o não-verbal,
as pessoas retêm o último. Diga "para cima" apontando para baixo e
irá entender.
Você não precisa ser artista para falar.
Nem para cantar, diria o karaokê. Esqueça a enciclopédia de informações. O
que fica é o tutano da mensagem, seus sentimentos e emoções. Seja você
mesmo, com seus temores, suores e tremores. Não se preocupe; até o pavão tem
pés horríveis. Reconheça suas fraquezas, mas direcione a adrenalina que elas
geram, ou jamais baterá aquele recorde que só se bate em público. O qual não
vai bater em você. A torcida torce mas não estrangula.
Momento crítico é a decolagem. Tanques
cheios, motores no máximo, peso demais, pista de menos. Pedindo o desastre. Por
isso, nos primeiros cinco minutos, pilote dentro de seus domínios. Fale de você,
de seus filhos, de seu time, de seu trabalho, de algo que seus cotovelos
falariam em piloto automático. Quando atingir uma altitude e atitude seguras,
aproe para seu tema em velocidade de cruzeiro. Relaxe.
Deu branco? Simples. Abra um parêntese e
fale de algo fora do branco ou enfatize o que acabou de dizer, até a
visibilidade voltar. Deixe uma última gota de adrenalina para o pouso, o
encerramento. Nessa hora é sempre bom colocar uma pitada de emoção. Mas
cuidado, para não fazer um pouso forçado como eu.
Foi numa palestra para gerentes do Banco
do Brasil. Filho de funcionário aposentado, falei emocionado de como o banco me
acompanhara desde a infância. De minha mãe, que insistia para eu trabalhar no
banco como o pai, o que o destino não me reservou. Naquela hora queria ligar
para ela, viúva, e dizer que o que ela queria agora acontecia. Eu trabalhava no
banco, pelo menos naquele momento. E foi o que disse à platéia para encerrar.
Ou quis dizer.
Porque a emoção aflorou, a garganta travou, os olhos se embebedaram
e ali, na frente de todos, eu chorei.