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   O Panteón Nacional - Bogotá, Colômbia

        Estão equivocados os que acreditam que um campo santo é um lugar de morte e dor. Surpreendentemente, também abriga histórias de vida.  Como a de Javier Ochoca, Kelvin Lozano Hernández e Leonardo Hernández Santoyo, amigos e primos, que quando meninos brincavam às escondidas entre os labirintos dos ossários e mausoléus ilustres do Cemitério Central de Bogotá, Colômbia. Aprenderam a andar de bicicleta em suas ruelas, rodeadas de jazigos, ciprestes, pinus, araucárias e magnólias, nas quais muitas vezes treparam. A presença deles não era casual. Os Hernández são a quarta geração vinculada ao campo santo da capital. Seu bisavô Angelino Hernández foi um dos primeiros pedreiros do cemitério durante o século XX. Construiu sóbrios mausoléus com grandes blocos de pedra talhadas no ali mesmo, encaixando-os, quase sem argamassa, com uma precisão de especialista . Ofício que transmitiu a sua família. Hoje descansa no setor esquerdo da ala histórica em um jazigo simples, vizinho ao do escritor Carlos Arturo Torres e a do General Benjamín Herrera. 

        Mas esses garotos depois de haver estudado, regressaram ao cemitério, como anjos da guarda. Javier, investigador de mercado a organizar os primeiros caminhos especialmente o dia do patrimônio e seu programa ''Siga, esta é sua casa'' do Ministério da Cultura, Kelvin, engenheiro ambiental e Leonardo que estudou em Carrara, Itália, técnicas de trabalho com pedras e mármores, começaram a trabalhar no negócio de marmoraria, onde ainda estão seus pais e tios. 

        Os três, sem ser especialistas, sempre valorizaram os monumentos do lugar de suas recordações de infância. Foram membros fundadores da Corporación Herencia y Asomármol. Também pertenceram aos conselhos locais de cultura e de planejamento e a Rede de Gestão Local dos Mártires,  de onde está localizado o campo santo.

        Sua história é uma das tantas que giram em torno deste recinto urbano, quem sabe o mais democrático da cidade. Graças à visão igualitária que a morte dispensa a todos, aqui jazem em harmônica convivência homens e mulheres de todas as crenças e religiões do país, poderosos e humildes, abastados e pobres, crentes ou não, ilustres colombianos e anônimos cidadãos. 

     Todavia é um dos conjuntos monumentais mais desconhecidos. E além de sua função de sepultamento e exumação, os cidadãos ignoram seu surpreendente valor cultural. Seu variado patrimônio funerário interessa por igual a arquitetos, artistas e estudiosos dos símbolos. Antropólogos, sociólogos e historiadores se surpreendem com as distintas leituras que podem ter do cemitério. Seu traçado em forma oval contrasta com a tradicional quadrícula urbana que caracterizava Bogotá durante as épocas colonial e republicana. A forma elíptica da parte central simboliza a ascensão das almas até o paraíso, de acordo com as crenças cristãs. 

        Assim, a tradicional necrópole bogotana se diferencia da cidade terrena e reproduz a cidade celestial, e assim também suas construções. 

        Com quase 200 anos de existência, sua arquitetura funerária reflete a cidade dos vivos e suas diferentes classes sociais. Criptas e mausoléus de traços históricos como egípcios, gregos com esplêndidas colunas, pequenas capelas românticas e góticas, e também pós-modernos, construídos com as mesmas pedras, granitos e mármores importados, ladrilhos e cores da cidade. 

        Completam-nos vitrais, esculturas e relevos. Há uma grande quantidade de cruzes, anjos, estátuas e bustos, escudos e medalhões. Surpreendentes desenhos que simbolizam o fim da vida e a esperança no além, crenças que se manifestam através de colunas truncadas, livros abertos, portas fechadas, vasos fechados, vasos cobertos por véus, pelicanos e ancoras cuidadosamente trabalhadas não só por artesãos anônimos, mas também por reconhecidos artistas. 

        Outro aspecto interessante destes monumentos, são as inscrições em latim e espanhol em placas comemorativas e de identificação que, ainda que borradas, resumem parte da história nacional e dão conta da vida terrena de seus protagonistas. Desde o monumento comemorativo do fundador da cidade que assinala a o traslado dos restos mortais de Jiménez de Quesada para a Catedral Primada, até participantes da Independência, políticos e homens de Estado. Primeiras damas e ex-presidentes, vice-presidentes e candidatos a presidentes, poetas, escritores e cientistas; artistas, músicos e pensadores; sindicalistas e guerrilheiros; locutores, maçons, comunidades religiosas. Exército e Polícia Nacional. É o grande Panteon Nacional.

        Também é o panteon presidencial. Aqui jazem a maioria dos governantes da Colômbia.  Presidentes titulares, desde Santander até Virgilio Barco, inclusive os provisórios e designados e vice-presidentes que assumiram o poder.

        O tradicional recinto urbano que viu crescer Javier, Kelvin e Leonardo, muda e se transforma com Bogotá. Foi construído e consolidado ao longo do século XIX. A recente inauguração da primeira etapa do Parque Renacimiento iniciou uma mudança radical que marcará seu ressurgimento neste século XXI. É produto de um ambicioso projeto de renovação urbana que racionaliza o uso desses terrenos do centro da cidade. Seu propósito é ganhar novas áreas para espaço público e dar novo caráter ao tradicional campus funerário: o de grande parque cemitério-museu, projeto que nos recorda que nas grande cidades do mundo convivem estes destacados exemplos que representam um marco urbano de enorme valor e beleza, os antigos cemitérios de La Habana, La Recoleta em Buenos Aires e o de Pere Lachaise em Paris. Entre os contemporâneos, o de La Igualada em Barcelona e o de Modena, Itália.

        Atualmente a zona histórica do Cemitério Central, declarada Monumento Nacional em 1984, está sendo fiscalizada. A nova administração do cemitério e a Corporation la Candelaria trabalham  no desejo e construção da praça de acesso, a restauração o portal original de Julián Lombana e a alameda principal. Um convênio com o Jardim Botânico busca recuperar suas espécies tradicionais.

        Sem dúvida neste extraordinário conjunto existem problemas por solucionar. Pelo lado social, está pendente a remoção dos marmoreiros e vendedores de flores, que trabalharam ali ao largo de todo o século XX. Pelo tema ambiental faz falta estudar os efeitos da contaminação atmosférica do centro de Bogotá. Provavelmente, a causada pela chuva ácida, um efeito da poluição no centro da cidade, tenha um alto poder corrosivo sobre as pedras, o qual leva à alteração e deterioração das construções. Também se apresentam problemas de  cimentação gerados por correntes subterrâneas de água, que tem ocasionado o desmoronamento e inclinação de alguns mausoléus, o que supõe o risco de alguns restos mortais venham a ser descobertos. Tampouco se pode esquecer o abandono e descuido por parte de donos  dos monumentos particulares deste desconhecido e surpreendente Panteon Nacional.

Revista De El Espectador






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