A cultura irlandesa, em geral, tem traços muito
semelhantes à cultura americana, no entanto, apresenta-se muito distinta quando
relacionada à morte. Os irlandeses têm a morte (ou pelo menos a idéia de
morte) presente em suas conversas diárias, nas suas piadas e brincadeiras. O
funeral é mencionado e planejado diversas vezes pelo ser em vida e é o senso
de humor o grande aliado de um irlandês contra a morte.
Os
velórios se configuravam como grandes acontecimentos sociais, com bebida, dança,
diversão, e são largamente freqüentados por toda a comunidade. Os irlandeses
faziam questão de mandar duas
pessoas avisarem a todos os vizinhos, e também aos animais de criação e às
abelhas, sobre a morte. Acreditavam, também, ser necessário deixar uma janela
aberta na hora do falecimento para que a alma pudesse escapar com mais
facilidade para o ''mundo dos mortos''.
Há,
entretanto, uma peculiaridade na ''diversão'' dos velórios irlandeses, onde
também o corpo do morto pode entrar nas
brincadeiras. Walsh relata: ''aquelas
formas bizarras de alegria com as quais os irlandeses comemoravam a morte -
[que] envolviam beijos, casamentos de mentira e simbolismos fálicos grosseiros,
bem como ‘pregar peças ao cadáver’''. Há relatos também que cadáveres
masculinos eram incluídos em jogos de carta, eram escolhidos para dançar e até
mesmo bebidas eram colocadas em suas mãos. Outro ponto interessante, e muitas
vezes desconhecido, é o de que foram os irlandeses que inventaram o
Halloween, (e não os americanos, como se pensou durante muito tempo), a
noite na qual os mortos caminham sobre a terra e pregam peça nos vivos.
Algumas considerações podem ser
feitas através dos poucos elementos que dispomos. A ridicularização da Morte
e do cadáver parece uma tentativa desesperada de negar o caráter final e
irreversível da Morte, o que comprova mais uma vez a proposição de Becker,
(em seu livro A Negação da Morte) de que todas as culturas negam a Morte a seu
modo e tempo. O senso de humor irlandês também está impregnado de conotações
sexuais, o que representa, através do sexo e da procriação, uma reafirmação
da Vida sobre a Morte. A festa do Halloween seria mais uma obra do imaginário
irlandês, com a função de, pelo menos por uma noite, assegurar a ''vida dos
mortos'' e seu respectivo contato com os vivos.
Por
mais paradoxal que possa parecer, terapeutas americanos constataram que durante
o luto, os indivíduos da família irlandesa não são capazes de falar sobre a
morte entre si, e que preferem, de um modo geral, sofrer sozinhos (Walsh, 1998).
Diante do exposto, vemos que é a negação da morte pela banalização e
pelo riso uma característica marcante da cultura irlandesa em relação à
morte.