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   Dia dos Mortos e Dia dos Vivos

        Parafraseando o famoso orador Pe. Antônio Vieira, podemos dizer que o dia de finados tem duas portas. A mais conhecida é a que fechou a vida terrestre para nossos mortos. Eles terminaram sua peregrinação aqui entre nós. Mas a mais importante e misteriosa é aquela que se lhe abriu. Para onde?

        Ao fechar-se a primeira porta, ficaram-nos a dor, as saudades, a tristeza da ausência. A visita aos cemitérios, no dia de finados, é um modo de responder a esses sentimentos. Recuperarmos no fundo de nossa memória as lembranças das pessoas que nos deixaram e vivemos um momento de presença na ausência.

        O dia de finados leva-nos a pensar também nessa Segunda porta. Antes de tudo, ela não se abre para nenhuma outra vida terrestre. Nisso, a nossa fé é incisiva: a volta ao mundo da história humana se torna impossível para quem dele se afastou pela morte. Noutras palavras, a reencarnação está fora de qualquer perspectiva para o cristão.

        A fé cristã aponta-nos horizontes mais esperançosos, de um lado, mas também, mais sérios e responsáveis, de outro. Mais esperançosos porque nos abre a perspectiva de ressurreição. Em termos mais simples, após a morte nos é dado poder viver, em dimensões novas e diferentes, já não mais ligadas a tempo nem a espaço, uma relação profunda, íntima, plena de amor, de comunicação, de intimidade com a Santíssima Trindade, com a Virgem Maria, com toda humanidade glorificada em Deus e, de maneira também misteriosa, com o cosmo na sua totalidade.

        Desta sorte, os horizontes, que nos esperam, são, sem limites, em esplendor, grandeza, amplitude e profundidade. São Paulo, citando Isaías (cf. 64,3), afirma em outro contexto que ‘o olho não viu, o ouvido não escutou, nem o coração humano imaginou tudo o que Deus preparou para aqueles que o amam’ (1Cor 2,9). É imaginável o que deus reserva de beleza, de surpresa, de felicidade aos que viveram o bem. Eis a primeira paisagem!

        A Segunda cena, não tão bela, mas mesmo assim é esperançosa. A morte colhe-nos, embora radicados fundamentalmente no bem, carregados de inconsequências, de contradições, de incoerências e de fissuras interiores. Desintegrados por tanta fragilidade, não podemos abrir-nos totalmente para as paragens da felicidade total. Acontece um último momento que vem coroar todos os esforços de integração e purificação iniciados na terra. O purgatório. Na dor, mas em clima de amor, Deus nos acolhe, produzindo em nós esta integração radical e purificatória. Tornamo-nos maduros para a plenitude da vida.

        O terceiro cenário é terrível. Introduzem os infelizes nele aquelas tenebrosas palavras da Dante na Divina Comédia: ‘’Deixai toda esperança vós que aqui entrais!’’

        Esperamos que esta porta da morte nunca se nos abra para o deserto da solidão, do desespero, do ódio, do egoísmo e da perdição eterna: o inferno. Ele será aquela realidade que se começou a construir aqui na terra à medida que se viveu no ódio, no egoísmo, no desprezo dos outros, no fechamento absoluto a Deus e a todo amor. É a morte Segunda, o lago do fogo, na linguagem do Apocalipse.

        Que a comemoração de finados nos faça pensar em nossos mortos e encomendá-los a Deus, par que possam contemplar a primeira e maravilhosa paisagem do Paraíso! E ela nos sirva de momento de parada para perguntar-nos em direção a que porta nos estamos dirigindo! A porta, que se fecha, é inexorável. A porta, que se abre, depende da graça de Deus e de nossa liberdade, escolhas, responsabilidade e realizações.

 

Fonte: Revista Ave Maria

 Novembro/98






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