A
Morte
Os índios Krahó entendem que o lugar da morte é o
lugar de origem, e por isso procuram sempre morrer onde nasceram e assim algumas
vezes o moribundo deve submeter-se a longas fases de transporte. Só é
permitido morrer na casa da esposa, caso não tenha mais família.
Quando sabem que alguém está prestes a morrer,
dirigem-se para aquele local as mulheres da aldeia, invadindo a casa,
silenciosas, para contemplarem o moribundo, sentadas ou de pé. Diz Manuela
Carneiro da Cunha (autora de uma monografia sobre os Krahó) que, embora essa
presença na casa seja comum a todas as mulheres da aldeia, a distância em que
se colocam é reveladora de seu envolvimento enquanto parentes do morto ou
estranhas. “Os funerais, neste ponto, consistem em uma verdadeira coreografia,
onde são afirmados, ostensivamente os laços de parentesco, independentemente
dos sentimentos que se possa ter ou dos sentimentos atribuídos pela comunidade.
Olhar o morto e chorar por ele é uma atribuição das
mulheres da aldeia, já que os homens chegarão mais tarde, mas nem todos, só
os que serão chamados em razão do parentesco ou devido a função que
desempenham na comunidade. O corpo é colocado com a cabeça para o leste e
deitado de costas, para que o sol ensine direito a alma a subir e atravessar a
água. O corpo será enterrado nessa mesma posição. Acreditam na ressurreição
e daí não ser possível chorar pelo morto durante muito tempo, pois seria
condenar o morto a não mais poder reviver, seria mandá-lo embora para a aldeia
dos mekarõ, vedar-lhe o caminho de volta.
Preparação
do Corpo
A preparação do morto para ir para a sepultura é
feita lavando-se o corpo, cortando-lhe cabelo e colocando-lhe batoques
auriculares nos homens e a empenação ou a simples tintura com
urucu.Acreditando que a água usada na lavagem é perigosa, retiram a areia
molhada para longe e espalham terra nova sobre o local.
O Enterro
Nem a preparação do morto nem a inumação
propriamente dita não são tão importantes quanto o momento da remoção do
cadáver. Retirado da casa, o cadáver passa a pertencer aos coveiros.
A cova é forrada com paus fortes ( sucupira preta )
para proteger o corpo dos “comedores de cadáveres”, e, se a sepultura for
perto da casa, fazem uma cerca de madeira ao seu redor para protegê-la dos
animais. Depois do enterro os coveiros tomam banho no riacho para
purificarem-se.
Manuela Carneiro noticia que, até por volta de 1926,
os índios Krahó procediam ao enterro secundário, pelo menos em relação a
maioria dos adultos, já que as crianças, por terem os ossos moles acabam logo.
“Consistia esse enterro na exumação do cadáver, seguida da limpeza e
lavagem dos ossos que, pintados de urucu, eram embrulhados em uma esteira nova e
inumados em um buraco fundo”.
O momento da realização dessa inumação coincide com
o desaparecimento total do sangue, já que, para eles, o sangue representaria
uma força vital. De fato, como verificou essa pesquisadora, a concepção biológica
do homem, aceita pelos Krahó é de no homem há água e sangue. A água é
expelida em forma do suor (inakú). Esta água aparece, verbi gratia, quando se
salga a carne da vaca. Já o sangue (kaprú), não sai naturalmente do corpo,
visto que sua função é a de sustentar o corpo: se faltar sangue o corpo fica
“todo encolhido”.
Fonte:
Tratado de Direito Funerário
Autor: Justino
Adriano Farias da Silva